Tuesday, April 14, 2015

Re: O que difere comunismo do nazismo

Segundo José Milhazes (aparantemente defendendo a decisão ucraniana de proibir os símbolos comunistas) "a diferença consistia apenas em que o primeiro matava pela raça, o segundo pela origem social".

Essa analogia é muito popular (também já vi na versão "os nazis queria exterminar uma raça e os comunistas uma classe social"), mas estará correta?

A ideia que eu tenho é que (pelo menos depois de consolidados no poder), os comunistas matavam sobretudo quando suspeitavam que alguém era contra o regime, não tanto pela origam social - milhões de operários e camponeses foram mortos pelos regimes comunistas, ou por se terem oposto ao regime, ou por alguém suspeitar que se opunham; por outro lado, muita gente que pertencia, talvez não à elite, mas pelo menos à classe média-alta dos regimes pré-comunistas conseguiu manter-se viva ou até prosperar sobre o comunismo, só tendo que arranjar um cartão dse militante a tempo (Boris Pasternak, que vivia na URSS e sabia o que lá se passava, não há de ter inventado o personagem "Komarovsky" a partir do nada...).

Sim, logo em 1917-18 na futura URSS, em 1949-50 na China, em 1975 nas ex-colónias portuguesas, muitas pessoas terão sido mortas só por causa do que tinham sido no sistema anterior, mas creio que mal o regime se estabilizou, as vítimas passaram a ser os suspeitos de dissidência, não "os filhos da burguesia" - os grandes massacres, como as purgas estalinistas ou a Revolução Cultural chinesa, foram sobretudo dirigidos contra a oposição (real ou imaginária) sem distinção de classe (creio que os estudantes "de origem burguesa" até estavam sobre-representados entre os Guardas Vermelhos chineses).

[Uma possível exceção poderá ser o Cambodja, em que terá havido execuções em massa com base apenas em marcas de origem social, como usar óculos - diga-se que o Livro Negro do Comunismo parece negar que as pessoas fossem executadas apenas por usar óculos, e que só eram obrigados a deitá-los fora, mas todas as outras fontes sobre o assunto afirmam que tal ocorreu]

Poderá-se perguntar que diferença faz isso - matar pessoas por serem dissidentes ou por terem uma dada origem social; mas há uma importante diferença entre matar alguém por algo que esse alguém não controla (como a sua raça ou a classe social onde nasceu) e algo que ele controla (como as suas ideias políticas) - a única maneira de acabar com pessoas caracterizadas por um fator inalterável é mesmo matá-las (um judeu étnico ou um filho de burgueses só o deixará de ser quando morrer); já no caso de fatores alteráveis (como ideologia política e até certo ponto a religião), não é preciso matá-los, "basta" submeté-los a uma combinação de terror e de lavagem ao cérebro para os convencer a entrar na linha (nesse processo muitos morrerão, mas não é um resultado indispensável, como é quando a ideia é exterminar uma raça).

E essa é uma diferença fundamente entre a URSS e a Alemanha nazi: como afirmam autores insupeitos como Anne Applebaum e Nicolas Werth, os gulags soviéticos não eram campos de extermínio, mas sim campos de trabalho escravo (com taxas de mortalidade altíssimas, mas aí a morte era um efeito colateral, não o objetivo, como no sistema nazi).

Aliás, parece-me haver uma grande quantidade de pessoas que passaram pelos campos soviéticos e voltaram para contar, como Soljenitsine, mas admito que o fator "tamanho" também conta aí (sendo a URSS maior e tendo existido mais tempo que a Alemanha, é natural que, tal como morreram mais pessoas nos seus campos, também tenham havido mais sobreviventes).

P.S. por outro lado os regimes comunistas tiveram efetivamente a sua quota parte de perseguições étnicas (como a deportação dos tártaros e dos chechenos na URSS ou as perseguições aos chineses no Vietname).

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