Tuesday, April 29, 2014

Preferência temporal

Grande parte da teoria económica parte do pressuposto que as pessoas preferem o consumo presente ao consumo futuro (e que têm que ter algum prémio - nomeadamente receber um juro - para estarem dispostas a adiar o consumo).

No entanto (largamente sobre a influência dos comentários neste post), ocorre-me se não será ao contrário - isto é, se o mais normal até não é preferir o consumo futuro ao atual.

Mais exatamente, o que eu suponho é que a maior parte das pessoas prefere ter um consumo equilibrado ao longo da vida (comer todos os dias em vez de passar alguns dias em jezum e outros a empanturrar-se; viver numa casa boa a vida toda em vez de metade da vida num palácio e a outra metade a dormir na rua, etc.). No entanto, se confrontados forçosamente com a opção entre "ter uma coisa hoje e não ter amanhã" e "não ter uma coisa hoje e já ter amanhã", muita gente (talvez a maioria?) preferirá a segunda, até pelo efeito psicológico da antecipação (no primeiro caso, o sabermos que amanhã já não teremos a coisa que estamos a usufruir hoje até diminui o prazer de termos esse bem; já no segundo caso, o sabermos que amanhã já vamos ter o tal bem até nos ajuda a suportar a privação hoje).

Note-se que isto que estou a dizer não invalida que continue (como sustenta a teoria tradicional) que é melhor ter 1000 euros hoje do que recebê-los só amanhã; mas a razão porque é melhor não é porque seja melhor gastar 1000 euros hoje do que só gastá-los amanhã - é porque recebendo os 1000 euros hoje posso gastá-los hoje, amanhã ou mais tarde, enquanto se os receber amanhã só os posso gastar amanhã ou mais tarde (ou seja, tenho menos possibilidades de escolha).

E isto também não invalida que seja mais desejável adquirir bens duradouros o mais cedo possivel - porque se eu comprar uma casa hoje em vez de só daqui a um mês, beneficio da casa já e continuo a beneficiar dela daqui a um mês (ou seja, quanto mais cedo eu comprar um bem duradouro, em principio mais tempo beneficio dele - aqui a opção já não é entre "ter uma coisa hoje e não ter amanhã" vs. "ter uma coisa amanhã e não ter hoje", mas sim entre "ter uma coisa só amanhã" vs. "ter uma coisa hoje e amanhã"). A minha tese aplica-se apenas a bens que se "gastam".

Mas, mesmo que isto que estou a dizer seja verdade, não sei se terá alguma implicação.

1 comment:

João Vasco said...

A propósito deste texto e do texto acima, parece-me que é exactamente pela razão dita neste texto (mais escolha) E pela razão dita no outro (risco de não obter o prometido) que se considera a preferência temporal nesse sentido -> presente>futuro.
Afinal de contas, a teoria económica "convencional" assume agentes racionais, e apenas estas duas razões são compatíveis com a racionalidade dos agentes.

No entanto, quando excluímos estas questões e pensamos apenas na atitude "real" das pessoas e na forma como elas gerem as suas preferências, vemos que problema se AGRAVA. Além da preferência "racional" pelo consumo presente (devida às duas razões expostas), existe uma preferência "irracional", uma falta de empatia pelo nosso "eu futuro" de que a generalidade da população padece, em tanto maior grau quanto menos disciplinada for a pessoa.
É isso que explica a tendência para a procrastinação.

Agora não sou capaz de dar a referência, mas uma vez fizeram uma experiência com vários alunos e três trabalhos para entregar.
Num caso eles tinham 3 meses para entregar os 3 trabalhos, noutro caso tinham 1 mês para cada trabalho, e noutro tinham de estabelecer inicialmente com o professor o prazo para cada um dos trabalhos (ao longo dos 3 meses) e depois cumpri-lo.
Melhores notas: prazos de um mês
Piores notas: prazo de 3 meses (um ser racional teria melhor desempenho nesta circunstância onde tem mais escolha)
Notas intermédias: prazos escolhidos. Quase todos os alunos escolheram prazos de um mês para se auto-limitarem, e tiveram boas notas. Os poucos que escolheram a situação mais versátil (3 meses) tiveram as piores notas.

E este foi apenas um estudo entre vários que mostram a mesma coisa: os seres humanos são mais hedonistas do que aquilo que seria racional.