Saturday, November 16, 2013

O RBI pode fazer baixar os salários?

A Raquel Varela deu uma entrevista à Dinheiro Vivo onde, entre outras criticas ao chamado "Rendimento Básico Incondicional" (termo que parece ter ganho a melhor sobre o meu "Rendimento Universal Garantido...), argumenta que este "ia de facto actuar como um RSI pressionando os salários de Todos para baixo".

Não me parece que isso (tanto a respeito do RBI, como mesmo do RSI) faça grande sentido - qual poderá ser o mecanismo que faria o RBI baixar os salários?

Em principio (assumindo as condições técnicas, como a produtividade, como um dado) o valor dos salários depende da facilidade ou dificuldade dos patrões em arranjarem trabalhadores: se for fácil contratar e se para cada empregado tiverem dois desempregados a pedir emprego, podem baixar os salários; se for difícil contratar e as vagas na empresa ficarem muitas vezes desertas, têm que subir os salários para atrair trabalhadores.

Assim, para o RBI fazer baixar os salários, teria que aumentar a quantidade de pessoas que andam à procura de emprego, e assim permitir aos patrões baixar os salários. Ora, há alguma razão para pensar que, com o RBI, houvesse mais gente a querer trabalhar e estar empregada? Creio que não - na verdade, um RBI permitiria a alguma pessoas manterem o seu atual padão de rendimento trabalhando menos (p.ex., se eu ganho 1373 euros trabalhando 35 horas por semana, e passasse a receber 100 euros de RBI, poderia passar a trabalhar apenas 32 horas e meia, passando a ganhar apenas 1275 euros de ordenado, e com mais os 100 euros continuava a ganhar o que ganhava antes*). Assim, com algumas pessoas a querer trabalhar menos, o efeito disso sobre os salários seria para fazer subir, não para os fazer baixar.

O que admito que provavelmente faria baixar os salários seria algo parecido ao EITC norte-americano, em que o estado subsidia os trabalhadores com baixos salários, mas não quem não tenha salário. Ai sim, os trabalhadores têm mais incentivo para aceitar empregos, porque aí a diferença entre aceitar ou não o emprego corresponde não apenas ao salário mas ao salário mais o subsidio.

Para explicar melhor o meu raciocinio, vamos comparar quatro situações, em que é proposto a um trabalhador um emprego a ganhar 500 euros (em 3 delas há um subsidio estatal de 100).

Sem subsidios nenhuns:

Se o trabalhador aceitar o emprego: ganha 500 euros
Se recusar: ganha 0 euros

Com subsidios estilo RSI

Se aceitar: ganha 500 euros (ordenado)
Se recusar: ganha 100 euros (subsidio)

Com subsidios estilo RBI:

Se aceitar: ganha 500 euros (ordenado) + 100 euros (subsidio)
Se recusar: ganha 100 euros (subsidio)

Com subsidios estilo EITC:

Se aceitar: ganha 500 euros (ordenado) + 100 euros (subsidio)
Se recusar: ganha 0 euros

A mim parece-me que a situação em que o trabalhador tem mais a perder se recusar um emprego é o modelo EITC, depois o modelo sem subsidio, depois o modelo RBI e finalmente o modelo RSI. Assim, creio que podemos concluir que tanto o RBI como o RSI diminuem a pressão para os trabalhadores arranjarem emprego, contribuindo para alterar a relação de forças entre o trabalho e o capital de forma relativamente mais favorável ao primeiro.

*Isto é um simplificação, já que, no mundo real, o trabalhador normalmente não decide a quantidade de horas que vai trabalhar - é-lhe apresentada uma proposta "pegar ou largar" de "ou aceitas trabalhar X horas ou nada feito". Mas há montes de situações em que o trabalhador pode escolher, em certo ponto, a quantidade de horas de trabalho (a opção entre arranjar ou não um segundo emprego, a opção por fazer horas extraordinárias, ou mesmo as situações em que o trabalhador pode optar por trabalhar a tempo inteiro ou em part-time), o que, no agregado, levará a que um RBI reduza a oferta global de trabalho (atenção que com "oferta de trabalho" refiro-me a "trabalhadores oferencedo-se para vender a sua força de trabalho", embora na linguagem coloquial "oferta de trabalho" seja frequentemente usado ao contrário)

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]