Friday, June 28, 2013

O paradoxo

"The big divide in politics is between the majority who want the country to be run by a few people and the minority who want it to be run by everyone." (dos comentários a este post de Stumbling and Mumbling)

Daqui a uns meses, vamos ouvir dizer que a Irlanda já saiu da crise

Irlanda em recessão pelo terceiro trimestre consecutivo (Expresso).

As constantes saídas da Irlanda da crise fazem lembrar a tese de Mark Twain sobre deixar de fumar ("É facílímo deixar de fumar; eu já deixei de fumar montes de vezes").


Funções do Estado

Há pouco, na "Quadratura do Circulo", Daniel Bessa falava de uma proposta que tinha ouvido numa reunião em que tinha participado: dividir o orçamento em dois - um referente às funções de soberania do Estado (defesa, promoção da competitividade, etc.) e outro referente às funções sociais (segurança social, saúde, educação, etc.); a ideia era que o orçamento "de soberania" poderia ter deficits, mas o "social" teria que ser equilibrado.

Eu consigo imaginar muitas criticas possíveis a essa proposta, mas há logo um ponto que salta à vista - a que propósito a "promoção da competitividade" (na pratica, assistência estatal às empresas) entra nas funções "de soberania"?

Thursday, June 20, 2013

Esquerda versus Esquerda

Establishment Lapdog Media vs. Edward Snowden

Tuesday, June 18, 2013

Os economistas e a crise

No contexto desta discussão n'O Insurgente, alguém comentou que " Na crise americana do sub-prime o que não faltava era génios em econonomia a tomar decisões que levaram à ruina de muita gente que não foi tida nem achada no processo."

Mas antes de comentar esse ponto, vou primeiro fazer duas outras observações relacionadas com essa discussão.

Em primeiro lugar, penso que algum Miguel (o Madeira ou o Noronha) estará enganado na interpretação do juízo de valor que Pacheco Pereira dá à "popularização da economia"; pelo menos eu quando li os posts fiquei com a ideia (até por este post) que JPP considerava isso como uma das consequências positivas da crise; já o Miguel Noronha parece-me que terá ficado com a ideia que JPP estava contra essa "popularização" (já agora, este comentário do lucklucky só me parece fazer sentido se a interpretação de M. Noronha for a correcta). Normalmente, essa dúvida seria resolvida com o recurso à "interpretação autêntica" - o próprio autor esclarecer a sua posição; mas como JPP não participa de forma bilateral nas discussões na blogosfera, temos que nos dedicar a essa discussão exegética para tentarmos perceber o sentido do seu texto.

Em segundo lugar, tenho algumas dúvidas sobre o que outro comentador escreve, de que "a História mostra-nos que muitos génios da Literatura, Filosofia ou das Artes nunca foram gestores responsáveis das suas contas"; posso estar totalmente errado nisto que vou escrever, mas pelo menos no caso dos "génios" da literatura e da filosofia (as artes são provavelmente um caso à parte), tenho a ideia que, nos casos em que passaram grande parte da vida e/ou acabaram na miséria foi menos por não gerirem bem as contas (aliás, em tempos até havia a teoria de que o jeito para a filosofia andaria ligado ao para a matemática, que alguma base deve ter tido) e mais por, pura e simplesmente, entrar pouco dinheiro por o seu produto ter pouco mercado (isto ponto vai ser relembrado mais para a frente no post).

Mas vamos regressar ao ponto central - os economistas (ou economistas, sem "os") serão assim tão responsáveis pelas decisões que levaram à presente crise?

Duas instituições podem ser vistas como emblemáticas da crise de 2008 - o Lehman Brothers, que faliu, e o Citigroup, que precisou (e penso que continua a precisar) do apoio do governo norte-americano.

Assim, fui à procura de quem eram os administradores de um e do outro na altura (bem, os do Citigroup são de fevereiro de 2009, mas suponho que fossem os mesmos) e tentar ver qual a sua "área"; nalguns casos não consegui e o sistema académico anglo-saxónico parece-me ter peculiaridades (comparada com o português) que tornam difícil o exercício; e em certos casos não é claro o que deverá ser exactamente a área (a área acadêmica? o ramo em que estiveram quase toda a sua vida?). De qualquer maneira, foi isto que apurei:


[o "board of directors" do Citigroup parece - ou parecia - um Who's Who cruzado das empresas, das "instituições sem fins lucrativos" e da administração pública]

E nestas 25 pessoas, teremos para aí... uns 5 economistas (penso que "finanças" é metodologicamente muito parecida com economia para podermos juntar tudo). Alguns poderão perguntar "e todos esses formados em gestão, com MBAs e afins?"; mas (pelo menos pela minha experiência) "gestão" e "economia" têm muito pouco em comum - os assuntos são diferentes, as bases teóricas são bastante diferentes (e por vezes quase opostas - no mundo da micro-economia neo-clássica mal há lugar para o próprio conceito de "gestão"), aposto que a própria personalidade das pessoas que vão para cada área é diferente (p.ex., quase que aposto que as as pessoas de gestão acreditam mais em coisas como "pensamento positivo" e "força de vontade", enquanto que as pessoas de economia confiam mais no raciocínio lógico e analítico - se for assim, é de esperar que o pessoal de gestão seja mais dado a "optimism bias" e a falências monumentais ocasionais).

Aliás, a minha teoria de que os escritores e filósofos pobres o são, não por gerirem mal o dinheiro, mas sobretudo por ganharem pouco dinheiro à partida até pode ser interpretada à luz do binómio economia/gestão - bem, é de supor que alguém da área de gestão saiba gerir bem o dinheiro, mas penso que ainda mais alguém de economia (tão habituados que estão a resolver problemas matemáticos de maximização de utilidade ou de minimização de custos); já o conseguir vender o seu produto (neste caso, os livros) depende essencialmente de ramos da área de gestão (marketing, prospecção de clientes, hbilidade negocial, etc).

Sunday, June 16, 2013

Vestuário e "personalidades imaginativas"

N'O Insurgente, Maria João Marques dedica-se a analisar o guarda-roupa da meia-lider do BE Catarina Martins.

Confesso que grande parte do post versa sobre temas sobre os quais eu (e se calhar metade da humanidade) me sinto incapaz de comentar. No entanto, vou comentar esta passagem:

E já que estamos na imagem da Catarina Martins, deixe-me que lhe diga que a imagem atual, ui, que sensaborona, indicia uma personalidade pouco imaginativa e também não é lá muito apelativa.
Eu diria que tradicionalmente um vestuário descuidado até costuma vir associado ao estereotipo do "génio excêntrico" (veja-se as lendas que correm de que [X] - inserir famoso pensador ou cientista, acho que a lenda corre para vários - teria uma carrada de roupas todas iguais no armário para não perder tempo de manhã a pensar em qual vestir), ou seja até seria um indicio de uma "personalidade imaginativa" (ainda que é verdade que este parágrafo de Maria Marques já não se refere a um suposto anterior estilo "descuidado" de CM, mas a um alegado novo estilo, que pelos vistos será diferente...).

Diga-se que o meu conhecimento de Catarina Martins é muito superficial, logo não faço ideia se é imaginativa ou não, e nem nunca reparei bem no seu estilo (ou estilos?) de vestir.

Friday, June 14, 2013

Privatização sui generis? (II)

A respeito disto, ocorreu-me que um governo maquiavélico poderia usar essa estratégia como uma forma convuluta de privatizar a televisão.

Passos a seguir:

1 - Anunciar que vai fechar a televisão pública esta noite; como reação, os jornalistas fecham-se lá dentro e uma multidão junta-se à porta

2 - Anunciar que a policia vai evacuar o edificio; por carros da policia de choque sempre lá ao pé, mas não fazer nada, apenas para manter a tensão

3 - A emissão continua, sobre auto-gestão dos trabalhadores; no entanto, quando chegar o fim do mês, não há dinheiro para ordenados (já que as contas bancárias devem estar sob autoridade governamental)

4 - Os sindicatos e os "media alternativos" lançam uma campanha (talvez mundial) de solidariedade com os trabalhadores da televisão, com recolhas de fundos para apoiar a sua luta; isso seria uma desenvolvimento provável por duas razões: uma tradição sindical de realmente fazer recolhas de fundos (inclusive a nível internacional) em solidariedade com lutas badaladas; e existirem hoje em dia muitos "media alternativos", com uma orientação de esquerda, que realmente se financiam via "crowdfunding. Assim, seria uma saltinho de cobra (sem praticamente nenhuma grande mudança de paradigma) financiar a "luta dos trabalhadores" da estação de televisão dessa maneira

5 - E pronto, sem ninguém dar por isso, a televisão do estado foi efectivamente privatizada, transformando-se numa espécie de sociedade de jornalistas financiada por contribuições voluntárias dos espectadores (e já não por impostos ou taxas coercivos); e ainda por cima que na prática fez a privatização não foi o governo, mas as forças que em teoria são mais hostis à ideia de privaizar seja o que for.

O fecho da ETR tem sido apresentado por toda a gente como um tiro no pé do governo grego; mas será que estamos a ver mal a coisa e na verdade foi um golpe de génio de Samaras?

[Ou será que eu estou a delirar?]

Privatização sui generis?

Comentário de alguém no twitter: "Greek govt has turned the state run broadcaster #ERT into a pirate channel".

[De forma completamente involutária para todos os actores envolvidos, faz-me lembrar isto]

Thursday, June 13, 2013

Acerca do "E depois do Adeus"

Agora que a série já praticamente chegou ao fim, ocorrem-me algumas reflexões.

Alguns leitores estarão pensado "Chegou ao fim? Como? Ainda há um episódio marcado para o próximo domingo; e mesmo esse não vi nada dizendo que era o último"; bem, eu não faço ideia de quantos episódios ainda haverão, mas no essencial a série já acabou - a família protagonista já tem casa e emprego (e a situação política do país - que funcionava como pano de fundo e muitos vezes como motor da narrativa - já está estabilizada); agora é encher chouriços com fait-divers como gravidezes indesejadas, filhos ilegítimos, etc. (nomeadamente pondo os espectadores na dúvida "qual das duas será filha do protagonista? A mãe ou a filha?").

Mas o ponto que me chama a atenção é este: mas toda aquela gente tinha firmas?? Nesse aspecto a série parece um reflexo dos estereótipos rivais (mas muito similares a nível de juízos de facto) do "retornado que tinha lá uma boa vida e perdeu tudo" e do "retornado capitalista que estava lá a explorar os pretos". Porque não, p.ex., um casal que ela fosse professora primária e ele electricista do ramo local dos CTT? Ok, a professora não é lá bom exemplo porque os funcionários públicos foram para o "Quadro Geral de Adidos" e à medida que iam surgido vagas em Portugal foram sendo recolocados (logo não tiveram grande problema de emprego), mas pronto, uma enfermeira ou uma telefonista (ou então professora numa escola privada)...

Uma explicação possivel é que talvez houvesse efectivamente uma proporção significativa de empresários entre os brancos que estavam nas então "províncias ultramarinas"; mas ocorre-me outra ideia - é que talvez seja mais fácil apresentar o "retorno" como uma experiência especial no caso de pessoas que ficaram sem bens de valor considerável. Afinal, para pessoas como os meus pais, trabalhadores assalariados que nem tinham casa própria em Moçambique, a descolonização significou perderem os seus empregos (bem, creio que não no caso da minha mãe pelas razões já indicadas), terem que se mudar com os filhos para um lugar de certa forma do outro lado do mundo, ficar a viver em casas de familiares em que não havia espaço para todos até arranjarem um casa, terem que procurar emprego, etc. Mas, se pensarmos bem, não é isso que a ideologia dominante apregoa que todos temos que estar preparados? Que já não há "empregos para a vida", que temos que estar prontos a sair da "zona de conforto", que a emigração é a solução, que o arrendamento é melhor que a casa própria exactamente porque permite às pessoas mudarem de terra à procura de trabalho, etc., etc. Ora, se o drama do retorno for "simplesmente" ter que, de repente, ir para uma terra diferente, e procurar um novo emprego e uma nova casa, então é difícil apresentar tal como algo de especialmente dramático (afinal, se dizem que o futuro é isso...). Assim, para dar algo de único à experiência, foi necessário meter personagens com firmas que foram obrigados a abandonar.
 
Diga-se que, embora não faça ideia de se os argumentistas têm alguma inclinação política e qual (se a "consultora histórica" é esta, parece-me uma espécie de liberal mas mais focada em criticar os adversários do que em propor seja o que for), a série tem um tom claramente "de direita" (inclusivamente com um aparente terrorista do ELP a desempenhar o papel de "jerk with a heart of gold"); mas não me posso queixar muito, já que se alguma área tem sido dominante no campo da ficção-audiovisual-com-tonalidade-política até tem sido de longe a esquerda (veja-se por exemplo a antecessora do "E depois do Adeus" na categoria "série das noites de fim de semana de ficção histórica sobre o Portugal de há umas décadas atrás", "Conta-me como foi", que me parece - quando entrava em temas mais políticos - ter dado essencialmente a versão da esquerda desses tempos)..

Monday, June 10, 2013

RSI e vouchers escolares

Este artigo de Vitor Cunha no Blasfémias fez-me lembrar deste post que escrevi há quatro anos, nomeadamente desta passagem "não deixa de ser curioso que as pessoas que defendem o RSI pago géneros sejam, muitas vezes, as mesmas que defendem a "liberdade de escolha" na educação e na saúde, quando o principio em causa é, fundamentalmente, o mesmo (o Estado fornecer bens/serviços, ou permitir aos beneficiários decidir onde gastar o dinheiro). Claro que este meu último argumento pode ser virado ao contrário - afinal, as pessoas que defendem o RSI em dinheiro são, muitas vezes, também as mesmas que são contra os cheques-educação e afins".

O assassinio na Amadora

O caso do jovem assassinado na Amadora só está a ter a atenção que está a ter por a vítima, já ferida de morte, se ter refugiado numa escola.

Apesar da vitima não ser um aluno da escola (pelo que li, foi, mas já não era), a facada não ter ocorrido na escola e se calhar o assassino também não ser (pode ser ou não, mas até agora não há nenhum motivo para assumirmos que é) da escola, o facto da morte ter ocorrido dentro de uma escola faz com que, lendo e ouvindo as noticias, o nosso subconsciente pense automaticamente em algo do género "estudante assassinado numa escola" (embora não tenha sido isso que se passou); se a noticia fosse simplesmente "rixa entre gangues da linha de Sintra causa um morto" (sem escola pelo meio) apareceria durante um dia nas páginas dos jornais da especialidade e nunca mais se falaria nisso.

Sunday, June 09, 2013

Fruta feia?

O "Público" pergunta "se estamos dispostos a comer fruta feia para reduzir o desperdício".

O essencial pode ser invisível aos olhos, mas, a acreditar na expressão popular, é com eles que comemos. Quando foi a última vez que, na zona dos frescos de um supermercado, pegámos numa peça de fruta sem avaliar se essa era a mais bem-parecida do caixote? E se, querendo maçãs, só encontramos exemplares sem o aspecto regular e o brilho a que já nos habituámos, compramos na mesma? É um pequeno gesto, mas com grande impacto em cadeia.

Como os consumidores preferem frutas e hortaliças perfeitas, os grandes canais de distribuição transferem essa preferência para os agricultores, que só conseguem vender para os supermercados as peças com melhor aspecto. O resultado é um desperdício produtivo de 30%, o que em Portugal significa mandar para o lixo ou para a alimentação do gado uma tonelada de produtos fruto-hortícolas com qualidade para estarem à nossa mesa, mas não com o aspecto desejado.
Os jornalistas têm mesmo certeza que são os consumidores que têm um problema com a "fruta feia"? Eu, entre as pessoas das minhas relações, nunca notei que houvesse alguma preferência por "fruta bonita" - sim, as pessoas não querem fruta com ar de estar a começar a apodrecer ou de ter sido picada pelos pássaros, mas isso são coisas que têm a ver com a qualidade intrínseca do produto, não a preocupação puramente estética descrita no artigo. A mim parece-me que quem tem a "pancada" da fruta bonita são mais os distribuidores (e não sei se os regulamentos da UE e os programas de certificação ISO-9000 e coisas do género não terão algo a ver com isso) do que propriamente os clientes (mas, como eu já escrevi várias vezes, eu sou uma pessoa estranha; talvez seja a minha opinião sobre as preferências dos consumidores que esteja errada?).

Ainda a esquerda anarquista pró(?)-propriedade privada

A respeito da minha passagem referindo que "também nem toda a esquerda anarquista é contra a propriedade privada - algumas facções defendem uma sociedade de pequenos proprietários em que cada um seja uma espécie de micro-empresário", um leitor responde que "Isto por si já é impossível, visto que nem todas as pessoas têm a capacidade de gerir bens de produção, e além disso, este arranjo impossibilitaria vendas de propriedade. Se eu quiser vender a minha propriedade, será que posso? Mas assim, ao longo do tempo, uns iriam ficar com mais propriedade e outros até sem propriedade de produção (bens de produção). Seria proibido vender a propriedade? Mas isso não é iniciação de violência?..".

Em primeiro lugar, para quem esteja menos dentro destas questiúnculas, convém explicar a quem me referia - basicamente estava a pensar na corrente umas vezes designada por "anarquismo individualista" e outras vezes por "mutualismo" (os conceitos não são exactamente idênticos, mas há uma grande sobreposição): Proudhon, Josiah Warren, Lysander Spooner, Ben Tucker ou, modernamente, Kevin Carson.

Como é que estes autores acham que surgirá essa tal sociedade de pequenos proprietários?

a) Em primeiro lugar (e talvez seja esse o aspecto mais importante do seu pensamento), acham que numa sociedade em que não haja limites legais à criação de bancos, eventualmente com a sua própria moeda, a taxa de juro irá descer para valores muito próximos do zero, através da criação de "bancos mútuos"; com juros próximos do zero, segundo eles seria relativamente fácil toda a gente se tornar proprietário - mesmo quem não tivesse dinheiro para adquirir os seus meios de produção poderia obter um empréstimo e depressa o amortizaria; nesse aspecto, parecem-me em directa oposição aos anarco-capitalistas ligados à "Escola Austríaca", que penso acharem que numa sociedade anarquista sem banco central os juros serão mais altos.

b) Sobretudo nas variantes mais modernas, tendem também a argumentar que as mesmas razões que fazem com que o planeamento central seja menos eficiente que o mercado (informação reduzida da parte dos decisores, distorção de incentivos, etc.), também farão com que as grandes empresas sejam menos eficientes que as pequenas, e que o trabalho assalariado seja menos eficiente que o trabalho por conta própria, e que portanto, num mercado "verdadeiramente livre", as pequenas empresas tenderiam a "vencer" as grandes. Um exemplo desta posição pode ser encontrada na obra de Carson "Organization Theory: A Libertarian Perspective" [pdf]. No meu post "Re: Os limites naturais à dimensão das empresas" abordo um tema parecido com este

c) Agora o ponto que o leitor abordou - seria proibido vender a propriedade? Pondo a questão nestes termos, a primeira resposta seria "não"; mas, de certa forma, e pensando bem, anda próxima do "sim", pelo menos para certos tipos de propriedade: por regra, os autores desta corrente tendem a considerar que no caso dos recursos naturais, nomeadamente do solo, a propriedade só será legitima se associada à "ocupação e uso"; p.ex., possuir um terreno e cultivá-lo eu seria legitimo; arrendá-lo (ou provavelmente mesmo recorrer a assalariados) já não (e aí os meus rendeiros ou empregados teriam o direito de se proclamarem como os "legítimos proprietários"). Em termos práticos, isso acaba por se materializar numa posição de "as nossas agências de protecção só irão reconhecer os direitos de propriedade sobre o solo até à dimensão X". Um exemplo deste pensamento surge no texto de Tucker "Property under Anarchism":

Mr. Herbert, as I understand him, believes in voluntary association, voluntarily supported, for the defence of person and property. Very well; let us suppose that he has won his battle, and that such a state of things exists. Suppose that all municipalities have adopted the voluntary principle, and that compulsory taxation has been abolished. Now, after this, let us suppose further that the Anarchistic view that occupancy and use should condition and limit landholding becomes the prevailing view. Evidently then these municipalities will proceed to formulate and enforce this view. What the formula will be no one can foresee. But continuing with our suppositions, we will say that they decide to protect no one in the possession of more than ten acres. In execution of this decision, they, on October 1, notify all holders of more than ten acres within their limits that, on and after the following January 1, they will cease to protect them in the possession of more than ten acres, and that, as a condition of receiving even that protection, each must make formal declaration on or before December 1 of the specific ten-acre plot within his present holding which he proposes to personally occupy and use after January 31. These declarations having been made, the municipalities publish them and at the same time notify landless persons that out of the lands thus set free each may secure protection in the possession of any amount up to ten acres after January 1 by appearing on December 15, at a certain hour, and making declaration of his choice and intention of occupancy
Deixando de lado a questão de se um sistema desses poderia ser transplantado por um universo urbano e/ou industrial (em que a posse do solo me parece inseparável da posse dos edifícios lá implementados, complicando a distinção que esta corrente tende a fazer entre recursos naturais e bens produzidos), vamos voltar ao ponto levantado pelo leitor - são proibidas as vendas de propriedade? Bem, a partir do momento em que os "direitos de propriedade" de quem possuir mais que "X" m2 é suposto serem ignorados, realmente isso na prática é como proibir as vendas de terrenos a quem esteja perto do limite máximo - é verdade que não há ninguém a proibir a venda em sí, mas é como se esta fosse nula.

Friday, June 07, 2013

Exemplos de conservadores defendendo a intervenção do Estado na moral social

Ainda a respeito disto, a dada altura o Rui Albuquerque pediu exemplos de "exemplos de autores conservadores ingleses que defendam" a "intervenção do Estado na manutenção (e promoção) de princípios morais e organizativos da Sociedade".

Ingleses não me ocorre nenhuns (mas a associação histórica do Partido Conservador ao "antidisestablishmentarianism" não contará?), mas não é difícil encontrar norte-americanos (e o conservadorismo norte-americano até tem fama de anti-estatista comparado com o britânico).

Exemplos:

Robert Bork:

The nature of the liberal and libertarian errors is easily seen in discussions of pornography. The leader of the explosion of pornographic videos, described admiringly by a competitor as the Ted Turner of the business, offers the usual defenses of decadence: 'Adults have the right to see [pornography] if they want to. If it offends you, don't buy it.' Those statements neatly sum up both the errors and the (unintended) perniciousness of the alliance between libertarians and modern liberals with respect to popular culture.

Modern liberals employ the rhetoric of 'rights' incessantly, not only to delegitimate the idea of restraints on individuals by communities but to prevent discussion of the topic. Once something is announced, usually flatly or stridently, to be a right --whether pornography or abortion or what have you-- discussion becomes difficult to impossible. Rights inhere in the person, are claimed to be absolute, and cannot be deminished or taken away by reason; in fact, reason that suggests the non-existence of an asserted right is viewed as a moral evil by the claimant. If there is to be anything that can be called a community, rather than an agglomeration of hedonists, the case for previously unrecognized individual freedoms (as well as some that have been previously recognized) must be thought through and argued, and "rights" cannot win every time. Why there is a right for adults to enjoy pornography remains unexplained and unexplainable.

The second bit of advice --'If it offends you, don't buy it' -- is both lulling and destructive. Whether you buy it or not, you will be greatly affected by those who do. The aesthetic and moral environment in which you and your family live will be coarsened and degraded. Economists call the effects an activity has on others 'externalities'; why so many of them do not understand the externalities here is a mystery. They understand quite well that a person who decides not to run a smelter will nevertheless be seriously affected if someone else runs one nearby.(...)

 Can there be any doubt that as pornography and depictions of violence become increasingly popular and increasingly accessible, attitudes about marriage, fidelity, divorce, obligations to children, the use of force, and permissible public behavior and language will change? Or that with the changes in attitudes will come changes in conduct, both public and private? We have seen those changes already and they are continuing. Advocates of liberal arts education assure us that those studies improve character. Can it be that only uplifting reading affects character and the most degrading reading has no effects whatever? 'Don't buy it' and 'change the channel,' however intended, are effectively advice to accept a degenerating culture and its consequences

The obstacles to censorship of pornographic and viloence-filled materials are, of course, enormous. Radical individualism in such matters is now pervasive even among sedate, upper middle-class people. At a dinner I sat next to a retired Army general who was no a senior corporate executive. The subject of Robert Mapplethorpe's photographs came up. This most conventional of dinner companions said casually that people ought to be allowed to see whatever they wanted to see. It would seem to follow that others ought to be allowed to do whatever some want to see.... Any serious attempt to root out the worst in our popular culture may be doomed unless the judiciary comes to understand that the First Amendment was adopted for good reasons, and those reasons did not include the furtherance of radical personal autonomy.
Irving Kristol:
For the plain fact is that we all believe that there is a point at which the public authorities ought to step in to limit the "self-expression" of an individual or a group. A theatrical director might find someone willing to commit suicide on the stage. We would not allow that. And I know of no one who argues that we ought to permit public gladiatorial contests, even between consenting adults.

No society can be utterly indifferent to the ways its citizens publicly entertain themselves. Bearbaiting and cockfighting are prohibited only in part out of compassion for the animals; the main reason is that such spectacles, were felt to debase and brutalize the citizenry who flocked to witness them. The question with regard to pornography and obscenity is whether they will brutalize and debase our citizenry. We are, after all, not dealing with one book or one movie. We are dealing with a general tendency that is suffusing our entire culture. (...)

I'll put it bluntly: if you care for the quality of life in our American democracy, then you have to be for censorship.
E,já agora, a defesa por Willmore Kendall da condenação de Sócrates (o grego), que me parece basear-se em princípios similares.

Re: dicionário elementar

N'O Insurgente, Rui Albuquerque apresenta uma espécie de dicionário expondo a forma como várias correntes políticas vêem cada conceito. Em "Estado", RA considera que este é visto pelos anarquistas de esquerda como:

o estado é um instrumento de opressão, que é necessário extinguir pela violência. A propriedade privada é a origem de todas as desigualdades humanas e é para a preservar que o estado existe. Logo, o caminho da extinção do estado é o da abolição da propriedade privada
Parece-me que aqui o RA mistura um pouco a visão anarquista (social) do Estado com a marxista - tudo o que vem a seguir de "violência." é a visão marxista do Estado, não a anarquista. A esse respeito, recomendo a RA a leitura de "Resposta de um anarquista aos últimos moicanos do marxismo e do leninismo, assim como aos inúmeros pintainhos da democracia", de Júlio Carrapato. As primeiras páginas do livro são exactamente a desmontar a tese marxista (que RA atribui aqui ao anarquismo) de que o principal é a distribuição da propriedade, contra-argumentado Carrapato que a questão fundamental é a da autoridade, nomeadamente citando Daherendorf (que argumentava que a propriedade implica autoridade, mas que há outras autoridades além das derivadas da propriedade) e também referindo que as listas de "mais ricos do mundo" estão cheios de reis, rainhas, xeques, sultões, etc (o que demonstraria que muitas vezes é a partir do controlo do Estado que se geram os privilégios económicos, em vez de - como sustentam os marxistas - serem os privilegiados a criar o Estado para defender uma riqueza previamente existente). Aliás, toda a critica anarquista ao socialismo de Estado marxista gira à volta da ideia de que não adianta suprimir a propriedade privada se se mantiver a distinção entre dirigentes e dirigidos, o que penso demonstrar que os anarquistas de esquerda não acham que "propriedade privada é a origem de todas as desigualdades humanas".

Há mais uns detalhes, mas admito que não são muito relevantes - nem todos os anarquistas de esquerda advogam o derrube do Estado "pela violência": provavelmente o anarquismo até será a área política onde há mais defensores do pacifismo radical, recusando todas as formas de violência (e, nesse caso, pretendendo derrubar o poder do Estado pelo método da desobediência civil não violenta: as pessoas simplesmente recusarem-se a obedecer às ordem do Estado, e este cair por si ao se tornar incapaz de governar); também nem toda a esquerda anarquista é contra a propriedade privada - algumas facções defendem uma sociedade de pequenos proprietários em que cada um seja uma espécie de micro-empresário (mas, como escrevi atrás, esta parte já são detalhes - de facto o anarquista de esquerda típico é provavelmente contra a propriedade privada e está disposto a usar a violência contra o Estado e o Capital).

Diga-se que a sua defnição da visão anarco-capitalista do Estado também me parece muito discutível (ou ainda pior):
Para os anarquistas de direita, o estado existe? Não, não existe. Ele é apenas um sonho mau saído de cabeças minarquistas, que, quando acordarmos, não existirá mais. Entretanto, se recairmos no pesadelo, bastará fechar os olhos com força e invocar o princípio da não agressão para que tudo se componha.
 Não sei o Carlos Novais, o Rui Botelho Rodrigues ou o Pedro Bandeira se identificarão com esta descrição de como supostamente eles verão o Estado (embora o CN nos comentários até pareça ter simpatizado com essa descrição de definição do estado).

Já agora, até face à sua definição da visão conservadora do Estado eu tenho reservas. Porquê? Porque, pelo menos segundo o Robert Nisbet a essência do conservadorismo é a defesa dos agrupamentos sociais intermédios (família, comunidade local, etc.) contra os excessos tanto do "estatismo" como do "individualismo" (pelo menos o seu livro sobre o conservadorismo anda todo à volta disso); ora, como na sua descrição da visão conservadora do Estado, RA consegue só usar as palavras "Estado" e "indivíduos" e em momento algum "corpos intermédios", "poderes intermédios", "famílias", "grupos sociais", "estamentos", "comunidades" ou algo com um significado parecido, não me parece que pelo menos a sua forma de descrever a visão conservadora do Estado seja a forma que um conservador tradicional usaria (mas admito que seja apenas uma diferença semântica e que, usando palavras diferentes, o conteúdo talvez seja o mesmo).

Ainda sobre este assunto, em tempo o American Conservative tinha um interessante artigo de Daniel McCarthy explicando a forma como as várias correntes políticas viam a relação entre o Estado e a Sociedade; o artigo (penso que de Fevereiro de 2010) já não está disponível, mas pelo que me lembro a ideia era a seguinte:

Em primeiro lugar, haveria uma discórdia entre os que acham que a sociedade a) é dominada por uma luta entre "privilegiados" e "explorados" ; b) é um lugar fundamentalmente pacifico, com alguns conflitos ocasionais; ou c) é um lugar de luta potencial de todos contra todos.

Dentro do primeiro grupo, haverá um subdivisão entre os que acham que o  Estado é sempre o instrumento dos privilegiados (devendo por isso ser abolido) e os que acham que o Estado tanto pode ser o instrumento dos privilegiados como dos explorados (devendo os representantes dos explorados twntar conquistar o poder político); a primeira posição corresponderá ao anarquismo tradicional, a segundo à esquerda moderada e ao "liberalismo" americano (eu dã-me a ideia que haveria um terceiro sub-grupo, correspondente ao marxismo, mas já não me lembro como McCarthy o definia).

O segundo grupo corresponderá ao liberalismo clássico, considerando que o Estado não é necessário para muita coisa - na maior parte dos assuntos a cooperação voluntária funciona.

Dentro do terceiro grupo, haverá 3 sub-grupos: os que defendem que é necessário um Estado todo-poderoso para manter a ordem social (os fascistas); os que defendem um Estado autoritário, em que as decisão do governante não são para ser discutidas ou postas em causa, mas em que os grupos sociais (províncias, municípios, associações profissionais, universidades, etc.) têm autonomia para gerir os seus assuntos internos (o tradicionalismo europeu, sendo apresentado o exemplo de Charles Maurras); e os defensores de um Estado constitucional liberal em que o conflitos entre os vários indivíduos e grupos seja contido/regulado através do equilíbrio dos poderes e do pluralismo político (a versão liberal do conservadorismo, de que Nisbet é apresentado como exemplo) - ao que me lembro, uma das conclusões de McCarthy era de que os liberais tradicionais e os conservadores-liberais, apesar de terem uma visão diferente do funcionamento da sociedade, acabam por defender modelos políticos parecidos.