Wednesday, December 01, 2010

Tentativa de sintetizar toda a discussão sobre o keynesianismo

Discussão nos comentários d' O Insurgente:

Eu:

imagine-se uma economia com pescadores, agricultores e construtores navais. Imagine-se que os pescadores não vão sempre à pesca porque têm pouca clientela.


Agora imagine-se que alguém decide gastar umas moedas de ouro que tinha guardado no sotão para fazer uma grande festa e paga a um pescador (que em principio não estava a pensar ir ao mar) para lhe ir apanhar uns polvos e uns sargos.

[Q]ue redução do investimento houve aqui[?] – o dinheiro gasto para pagar os polvos e os sargos não é dinheiro que de outra maneira teria sido gasto para construir mais um barco (é dinheiro que de outra maneira teria ficado guardado à espera de uma melhor oportunidade para ser gasto). A mim parece-me que o aumento da procura originou um aumento da produção (foram pescados polvos e sargos que não teriam sido pescados de outra maneira).
CN:
Tirar dinheiro do sótão (aumentar a quantidade de dinheiro em circulação) faz aumentar os preços, colocar dinheiro no sótão (diminuir a quantidade de dinheiro em circulação) faz diminuir os preços.

A relação entre consumo e investimento guiada pela taxa de juro livremente fixada não tem de se alterar por causa disso. As pessoas podem passar a usar mais moeda, mas a proporção entre consumo e investimento manter-se (agora, a preços mais elevados).
Creio que toda a discussão sobre a correcção ou não do keynesianismo pode-se resumir a três questões:

A - é expectável que num mercado livre haja alterações rápidas e significativas da procura total de moeda?

B - se houver um aumento da procura de moeda (ou uma redução da oferta), isso originará uma redução mais ou menos equivalente dos preços, ou essa tal redução dos preços levará anos a se consumar?

C - se a resposta a A for a segunda (demorar anos), é expectável que o Estado/banco central/cooperativa de crédito consigam mais ou menos "adivinhar" o aumento da oferta de moeda e/ou do consumo público necessária para reequilibrar a economia, ou os mais provável é que (devido à imperfeição do conhecimento humano em geral, e do das organizações centralizadas em particular) se enganem no tipo e quantidade de "remédio" a aplicar, aumentando ainda mais e confusão e agravando a crise?

Se as respostas forem

A - sim
B - levará anos
C - o Estado/banco central é capaz de descobrir (ou andar lá perto) a quantidade de "estimulo" necessário

o keynesianismo estará correcto

Se forem

A - sim
B - levará anos
C - é quase impossível saber qual a politica correcta no momento correcto

O keynesianismo estará correcto acerca das crises económicas, mas errado na solução proposta

Se forem

A - [tanto faz]
B - os preços ajustam-se quase em tempo real
C - [irrelevante]

o keynesianismo estará errado (penso que é mais ou menos essa a posição das "expectativas racionais", dos "ciclos económicos reais" e de Milton Friedman desde os anos 70)

Se for

A - não
B - levará anos
C - é quase impossível saber qual a politica correcta no momento correcto

o keynesianismo também estará errado (creio que era mais ou menos essa a posição de Milton Friedman nos anos 50/60, e a "escola austríaca" também só me parece fazer sentido se adoptar uma posição destas).

A minha opinião pessoal - o ponto fraco do keynesianismo parece-me ser exactamente o C.

7 comments:

Duilio de Avila Bêrni said...

se havia capital e trabalho ociosos, não vejo a razão de não supormos uma curva de oferta horizontal. neste caso, não haveria aumento nos preços. e não vejo como não prever
o aumento no PIB, o que equilibraria o aumento no estoque de moeda em circulação.
DdAB

CN said...

o facto de haver recessão não quer dizer que haja inflação, parece que toda a gente se esquece dos anos 70, que se julgava ter descredibilizado o Keynesianismo.

Mas não quer dizer que os preços aumentem. Sobre a injecção de moeda o que se pode dizer como verdade é que com injecção de moeda os preços

(que não tem que ser no consumidor, pode ser de bens de capital, de matérias-primas, de activos financeiros, etc)

...são maiores do que seriam sem essa injecção (para a mesma preferência por posse de moeda).

O que não quer dizer que sejam em termos absolutos aumentos de 2% ou 3%. Podem ser apenas 1% quando sem injecção seriam de 0%.

CN said...

errata:

"o facto de haver recessão não quer dizer que NÂO haja inflação, "

estagflação parece ser o termos entretanto esquecido.

Miguel Madeira said...

CN, penso que isso não afecta muito o essencial da minha tentativa de síntese.

PR said...

Excelente síntese.

Só uma nota: penso que Friedman nunca foi "muito à bola" com as expectativas racionais*, mesmo nos anos 70. O "Free to choose" foi publicado em 1981 ou 1982 e aí ele admitia que havia muita margem de acção para a política orçamental. O problema era que as escolhas seriam inevitavelmente guiadas por critérios de racionalidade política e não racionalidade económica.

*aliás, julgo que a formalização matemática das ER consiste precisamente em virar "de cabeça para baixo" a ideia "friedmaniana" de que as pessoas formam expectativas extrapolando o passado [daí a ideia de que a inflação só poderia estimular o crescimento se fosse "cada vez maior"].

CN said...

MM

Estava a responder a

"se havia capital e trabalho ociosos, não vejo a razão de não supormos uma curva de oferta horizontal. neste caso, não haveria aumento nos preços."

Miguel Madeira said...

Compreendido.