Monday, September 20, 2010

Há prejuizos sociais na educação?

Aqui, aqui e (mais ou menos) aqui abordei a questão sobre se há benefícios sociais na educação. Agora venho abordar a questão oposta - será que a educação pode ter "externalidades negativas"?

Há pelos menos um modelo que pode implicar isso - a chamada "teoria do sinal"; segundo essa teoria, a verdadeira função da escola não é ensinar; a vantagem de ter um curso (ou, já agora, o 12º ano, ou o 9º, ou a 4ª classe...) não é saber fazer determinadas coisas, mas mostrar (sinalizar) que se é inteligente/trabalhador/etc. o suficiente para ter conseguido tirar esse curso, e que são verdadeiramente essas qualidades que os empregadores procuram, e não o curso em si.

Se esse teoria for verdadeira, poderá haver externalidades negativas na educação - se o verdadeiro objectivo de adquirir instrução é mostrar que se é inteligente/trabalhador/disciplinado/... a educação torna-se largamente um jogo de soma nula - o efeito de adquirir mais instrução é sobretudo mostrar que se é mais inteligente/trabalhador/disciplinado que as outras pessoas, logo o meu beneficio por ser mais instruído é um prejuizo para os outros; e se todos adquirirmos mais instrução, ficamos mais ou menos como estávamos antes - ter o 12º ano passa a "sinalizar" o mesmo que antes a 4ª classe, um mestrado passa a ter um valor semelhante a ter o 12º e a única diferença é que passamos todos mais tempo sem começar a ganhar dinheiro (tal qual como se todas as pessoas num estádio de futebol se levantarem para ver melhor).

Mas será que essa teoria é verdadeira? Eu acho que não (com umas excepções que vou referir mais à frente), sobretudo por uma razão: a maior parte das pessoas não parece concordar com essa teoria (se assim fosse, slogans como "temos que apostar na educação" não teriam o apelo que têm, e mesmo entre os economistas só uma minoria concorda com ela); isto pode parecer a falácia ad populum, mas não é: pelo menos na sua versão mais "hard", o que a "teoria do sinal" diz é que as pessoas vão tirar cursos para mostrar que são mais capazes, e os empregadores pagam mais a quem tenham uma dada formação porque acham que se eles conseguiram obter essa formação é porque são pessoas capazes - ou seja, essa versão teoria implica que as pessoas se comportam conscientemente de acordo com a teoria; mas, se fosse assim, a maior parte das pessoas concordaria com essa teoria.

Claro que podemos desenvolver uma versão soft da "teoria do sinal", em que o processo ocorre de forma inconsciente:

- as pessoas com mais instrução não são mais produtivas por causa da instrução, mas pelas suas qualidades pessoais que levam também a que adquirem mais instrução (como a teoria do sinal preconiza)

- os empregadores pagam mais a pessoas instruídas, não por pensarem "se ele tirou este curso, deve ser trabalhador/inteligente", mas simplesmente por constatarem (sem perderem tempo a pensar na relação causa-efeito) que as pessoas instruídas são mais produtivas em média;

- as pessoas tiram cursos, não para mostrarem que são inteligente/trabalhadoras, mas simplesmente, ou porque querem, ou porque vêm que as pessoas com mais instrução ganham mais

É possivel, mas mesmo assim custa-me a acreditar que os oftalmologistas que tratam dos meus olhos desde os 8 anos fossem capazes de fazer isso se não tivessem ido para uma faculdade de Medicina.

Na verdade, suspeito que deve haver uma espécie de deformação académica nos economistas que defendem a "teoria do sinal": basicamente, há dois tipos de cursos - cursos em que se "aprende coisas" (Sociologia, História, Economia, etc.) e cursos em que se "aprende a fazer coisas" (Engenharia, Medicina, Contabilidade, etc.). Atenção que isto pode parecer a clássica (e a meu ver incorrecta) distinção entre "ciências sociais" e "ciências exactas" mas não é - Gestão é um curso em que se "aprende a fazer coisas", mas, a ser uma ciência, será "social", não "exacta"; não faço ideia se há algum curso nas ciências exactas em que seja mais de "aprender coisas" do que "aprender a fazer coisas", mas é possível que haja (talvez alguns cursos de Zoologia ou Astronomia?) - e um clássico exemplo da diferença entre as duas filosofias académicas é uma anedota comparando dois cursos de "exactas" ("o engenheiro do Técnico sabe porque é que o prédio que construiu caiu; o engenheiro do ISEL não sabe porque o prédio que construiu ficou de pé").

Ora, sendo Economia um curso onde se "aprende coisas", é natural que alguns economistas tendam a minimizar a utilidade, em termos de contributo para a produtividade, da formação académica, já que o curso que eles (nós) tiraram (tiramos) realmente não contribui muito para a produtividade (eu, pelo menos, a única coisa que aprendi no curso que uso no meu trabalho foi em Introdução à Informática, uma cadeira semestral do 1º ano).

No entanto, vejo duas situações em que a teoria do sinal talvez se aplique:

Aplica-se com certeza quando a questão não é "vou estudar mais?", mas sim "vou estudar aonde?" - o principal critério que leva alguém a escolher a universidade X em vez da Y (tanto para estudar, como para contratar empregados) é a Y ter fama de ser fácil e de qualquer um ser lá admitido.

Interrogo-me se não se aplicará também na questão 12º vs. 9º ano (embora essa questão agora tenha acabado) - afinal, no ensino secundário / via de ensino não se aprende quase nada que só por si seja útil na vida laboral (leitores que tenham só o 12º - quantas vezes usaram Os Maias ou os números complexos na vossa vida profissional?), mas penso que há muitos empregos (normalmente de "colarinho-branco") em que se contrata mais facilmente pessoas com o 12º do que com o 9º. Uma hipótese é que seja exactamente uma questão de "sinal" - quem tem o 12º não sabe muito mais coisas "úteis" do que quem tem o 9º, mas é de supor que seja mais inteligente e/ou aplicado; uma hipótese alternativa a essa é que esses 3 anos adicionais de escola contribuam para o desenvolvimento de "soft skills" úteis, como maior flexibilidade mental ou mesmo "hábitos de vida" de classe média.

No comments: