Monday, September 20, 2010

Há benefícios sociais na educação? (II)

Outra situação em que há uma espécie de externalidades na educação é em situações tipo-Qwerty:

Imagine-se que, como num país há poucos engenheiros químicos, instalam-se poucas empresas químicas; como há pouca indústria química, os estudantes seguem pouco o curso de engenharia química. Numa situação destas, um pais pode ficar "preso" numa economia dominada por actividades de baixa qualificação (ou sair de lá lentamente), pelo que a subsidiação do ensino pode acelerar o desenvolvimento económico.

Há um argumento que pode ser dado contra este modelo, mas acho que na prática ele é largamente válido. Para explicar, quer o contra-argumento, quer o contra-contra-argumento, vou recorrer a um exemplo.

Imagine-se dois países (regiões, cidades...): em Asgarth, há muita indústria química e muitos licenciados em engenharia química; em Shamballa, há pouco de ambos, e esta situação reproduze-se pelo mecanismo descrito nos primeiros parágrafos.

Agora, o contra-argumento: não há nenhuma razão para as indústrias químicas preferirem instalar-se em Asgarth do que em Shamballa - afinal, em Asgarth há mais engenheiros, mas também há mais empresas a concorrer por mão-de-obra, logo não é líquido que seja mais vantajoso abrir um fábrica em Asgarth; também não há necessariamente razão para mais pessoas em Asgarth tirarem o curso de engenharia química - é verdade que lá há mais empresas do ramo, mas também há mais gente à procura de trabalho no ramo, logo, de novo, não é liquido que haja mais facilidade de um engenheiro químico arranjar emprego em Asgarth do que em Shamballa.

Para o contra-contra-argumento, vamos regressar ao século XIX e a Alfred Marshall:
Uma indústria localizada obtém uma grande vantagem de oferecer um mercado constante para os ofícios. Os empregadores tendem a se dirigir a qualquer local onde saibam ser possivel fazer uma boa selecção de trabalhadores com a habilidade específica de que necessitam; enquanto homens à procura de emprego naturalmente vão aos lugares onde existem muitos empregadores que têm necessidade das suas habilidades e onde, consequentemente, é possível encontrar um bom mercado. O proprietário de uma fábrica isolada, mesmo que tenha bom acesso a uma copiosa oferta de mão-de-obra, é muitas vezes obrigado a grandes deslocamentos por falta de mão-de-obra especializada; e o trabalhador especializado, quando perde o emprego em um desses lugares, não tem um refúgio fácil (Principles of Economics).
Para aqui, o que interessa é sobretudo a última frase: a facilidade de arranjar, na indústria química, quer emprego, quer empregados, até pode ser, em média ao longo tempo, similar em Asgarth e em Shamballa, mas o mercado de trabalho em Shamballa será muito mais instável do que em Asgarth, com longos períodos em que uma empresa não consegue substituir um trabalhador que se reformou, e também com longos períodos em que um trabalhador de uma empresa que fechou não consegue arranjar outro emprego (pondo as coisas de outra maneira - o salário de um engenheiro químico até pode ser igual em Asgarth e Shamballa, mas a volatilidade ao longo do tempo será muito maior em Shamballa, o que não é benéfico nem para empregados nem para empregadores).

Assim, será muito mais atractivo, quer abrir um indústria química, quer tirar um curso de engenharia química em Asgarth do que em Shamballa. Mas, se em Shamballa se começar a subsidiar a formação de engenheiros químicos, a sua quantidade aumentará, tornando mais atractiva a implementação de indústrias, podendo originar um ciclo vicioso de desenvolvimento que leve Shamballa ao nível de Asgarth.

Note-se que este argumento a favor da subsidiação do ensino não implica que essa subsidiação seja dirigida a algum sector específico (como no exemplo com a engenharia química) - uma politica geral de subsidiação do ensino irá aumentar a quantidade de profissionais qualificados em vários ramos, criando condição para que pelo menos nalguns esse aumento das qualificações dê origem ao tal ciclo vicioso de desenvolvimento (com a vantagem extra de não serem necessários peritos do Ministérios da Educação e da Economia a tentarem adivinhar quais os sectores a "apostar").

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