Sunday, May 02, 2010

Pirataria e Progresso

A respeito das alegadas declarações de Mariano Gago, Tiago Moreira Ramalho escreve:

Mesmo que a pirataria tenha sido fonte de progresso (não é líquido que tenha sido, no entanto, assumamos que sim, para facilitar), a questão é que o «progresso», ou um certo tipo de «progresso», ao contrário do que o sr. Gago, ministro de Portugal, parece pensar, não é um valor absoluto.  Se para que haja «progresso» tenham de se cometer injustiças, como permitir que se roube via Internet, então não sei se é esse o tipo de «progresso» que a humanidade precisa.
Uma questão simples - o TMR acha que os direitos de propriedade intelectual devem durar eternamente para todo o sempre (estilo - se os descendente de Virgilio fossem identicáveis, continuar a pagar-lhes direitos de autor sempre que alguém re-editasse a Eneida)? Se sim, tudo bem (isto é, "tudo mal" para mim, mas há uma coerência lógica). Mas a verdade é que, ao que me parece, a maior parte dos defensores da propriedade intelectual costumam defendé-la só para um dado período de tempo, e tal posição só me parece fazer sentido se a propriedade intelectual for defendida com argumentos utilitários do que com argumentos de principio: pelo menos eu consigo imaginar argumentos utilitários para a propriedade intelectual limitada no tempo (estilo "a propriedade intelectual é necessária para estimular a criação e sustentar os criadores, mas não se justifica por mais de 100 anos, já que o incentivo adicional que resultaria desses direitos durarem 100 anos em vez de 80 seria tão pouco que não compensava os custos representados pela obra permanecer de uso restrito mais 20 anos"); quase não consigo imaginar argumentos de "direitos naturais" para a propriedade intelectual limitada no tempo (só consigo imaginar num caso muito específico - alguém que seja contra a herança de qualquer maneira).

E onde é que eu quero chegar com esta conversa? Simples - é que se a "propriedade intelectual" como existe actualmente é fundada em argumentos utilitários (ser "benéfico para a sociedade"), então a sua violação também pode ser justificada com argumentos utilitários.

TMR também escreve:
Não há diferenças substantivas entre roubar um filme através da Internet ou roubar um filme numa loja especializada. Podem dar o pino, que não encontram uma única diferença em termos éticos.
Quer entre os defensores da PI, como entre radicais de esquerda anti-PI (como eu, de certa maneira)  é frequente essa analogia entre propriedade intelectual e propriedade física, mas está errada - se eu roubar um filme numa loja, o dono perde um bem que tinha; pelo contrário, se eu fizer um download de um filme na internet, ninguém fica pior do que ficaria se eu não fizesse rigorosamente nada. No fundo, vamos comparar estas opções:

A1 - eu roubo um filme numa loja
A2 - eu compro um filme numa loja
A3 - eu no faço nada e não vejo o filme

vs.

B1 - eu faço um dowload ilegal dum filme
B2 - eu pago pelo filme
B3 - eu não faço nada e não vejo o filme

No primeiro caso, a opção A1 é sempre pior para o dono da loja do que a A2 e a A3; no segundo, a B1 é prejudicial para o dono em relação à B2, mas não o prejudica em nada em relação à B3

[Publicado também no Vias de Facto; podem comentar lá]