Tuesday, August 25, 2009

Re: Imposto negativo (I)


Esse "imposto negativo", tal como descrito pelo CN, é, basicamente, o "nosso" Rendimento Social de Inserção (com a diferença que o RSI obriga a "contratos de inserção" e os beneficiários a fazerem alguma coisa combinada com os assistentes sociais).

No entanto, acho essa descrição do que é um "imposto negativo" um bocado restrita - um imposto negativo pode ser considerado como algo deste género:

Imposto (ou subsidio) a receber = [Rendimento mínimo] - b*[Rendimento antes do Imposto]

O que o CN descreve é uma variante de "imposto negativo" com b=1; ou seja, todos os meus rendimentos são descontados integralmente no valor do subsidio (se eu recebesse um subsidio de 500 euros e arranjasse um trabalho a ganhar 400 euros, o subsídio passa para 100 euros).
O RSI, creio, tem um b=0,85 para rendimentos do trabalho: se alguém que receba 500 euros de RSI arranjar um trabalho a ganhar 400 euros, o valor do RSI é reduzido em 340 euros (não 400) passando a 160.

Com b's tão elevados assim, compreende-se que haja um forte desincentivo ao trabalho - no extremo, com b=1, trabalhar ou não é exactamente igual em termos de rendimento final (nomeadamente para baixos salários) logo é melhor não trabalhar. Mas já não é necessariamente assim para b's mais reduzidos (por exemplo, 50% como proposto aqui). No caso extremo, podemos ter b=0, o que equivaleria a dar um subsidio uniforme a toda a gente (como proposto aqui).

Agora, imaginemos que me ofereciam um emprego a ganhar 450 euros, e tinhamos um sistema de impostos negativos que garantia um rendimento minimo de 500 euros. Qual seria o efeito deste imposto no incentivo a aceitar o trabalho? Depende da fórmula utilizada:

Fórmula.....rendimento sem trabalhar.....rendimento trabalhando....."lucro" liquido de trabalhar

500-[rendimento]..............500....500......... 0
500-0,85*[rendimento]....500...567,5.....+67,5
500-0,5*(rendimento]......500....725.....+225
500.......................................500....650....+450
Sem imposto negativo............0....450.....+450

[este é daqueles quadros que podem ficar mais bonitos ao fim do dia]

Quando mais baixo o valor do que eu chamei "b", menor o desincentivo a trabalhar criado pelo imposto negativo; no caso extremo de b=0, o "imposto negativo" nem induz qualquer distorção nos preços relativos: se, num mundo sem impostos negativos, eu ganhasse mais 500 euros por seguir uma dada opção em vez de outra, com um imposto negativo uniforme pago a toda a gente continuaria a ganhar mais 500 euros se seguir essa dada opção em vez da outra.

É verdade que há o outro lado da questão: os impostos necessários para financiar o tal imposto negativo; é verdade que, quanto menor o tal "b", menor o desincentivo ao trabalho criado pelo subsidio em si; mas também é verdade que, quanto menor "b", maior (para o mesmo valor de rendimento mínimo) a despesa total, logo mais impostos, logo maiores desincentivos à economia por via dos impostos; no fundo, é uma questão de tentar prever qual dos efeitos seria mais forte.

Teoricamente, há um sistema de "imposto negativo" que me parece inatacável do ponto de vista da eficiência: o sistema "georgista" em que temos um "dividendo do cidadão" de igual valor para toda a gente (aquilo que chamei "b=0") financiado por impostos sobre a poluição, leilões de frequencias hertzianas, impostos sobre o valor não-melhorado da terra, etc. Mas imagino que um estado que se financiasse exclusivamente por estes meios não teria capacidade para pagar um "dividendo do cidadão" significativo.

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