Monday, June 23, 2008

Liberais e aquecimento global (III)


A primeira parte do artigo (sobre medo de uma Era do Gelo nos anos 70) já a discuti aqui. Mas agora o que me interessa não é a questão "o aquecimento global existe", mas sim a "se o aquecimento global existir, o que deve ser feito a esse respeito", que é a que AAA aborda a seguir.

"Mesmo que se admita como válido o diagnóstico do IPCC, o reconhecimento de que a temperatura média no planeta pode estar a subir em consequência da acção humana não justifica, por si só, a tomada de medidas extremas para tentar mitigar esse aquecimento. Em geral, as medidas preconizadas para esse fim requerem investimentos significativos e impõem custos de oportunidade que não devem ser ignorados. Sendo os recursos disponíveis para enfrentar as necessidades humanas limitados, é necessário fazer escolhas, que são intrinsecamente económicas. Só é justificável aplicar uma determinada medida para a mitigar o aquecimento global se, para além de a mesma ser eficaz, apresentar também uma relação de custo-benefício que a torne preferível a acções alternativas que deixam de poder ser executadas pelo facto de essa medida ser posta em prática. A noção de custo de oportunidade e a ideia de que é necessário estabelecer prioridades são quase sempre altamente impopulares, mas nem por isso menos verdadeiras."

Todo esse raciocinio faria sentido se a Terra só tivesse um habitante, que tivesse recursos para gastar e fosse decidir se os iria gastar combatendo o aquecimento global ou de outra forma qualquer.

O problema do argumento de AAA é que maior parte do que ele escreve não tem sujeito, apenas predicado - fala em aplicar medidas, mitigar, fazer escolhas, investimentos, mas sem dizer quem vai aplicar essas medidas, realizar (ou não) os tais investimentos, etc. Ora, como a Terra tem 6 mil milhões de habitantes (e não apenas um) a questão do "quem" torna-se relevante? Quem é que iria ter que fazer os tais investimentos? E quem é que irá beneficiar com os investimentos alternativos que poderão ser feitos no lugar desses?

Imaginemos um industrial que, se tivesse que reduzir as suas emissões de CO2, iria ter que fazer despesas no valor de 200.000 euros; o AAA e o Bjorn Lomborg podem achar que haveria projectos em que esses 200.000 euros poderiam ser gastos de uma forma mais benéfica ao bem-estar global; mas como sabem que o referido industrial vai gastar os 200.000 euros que poupou num desses projectos? A menos que estejam a defender que o industrial, a troco de poder continuar a emitir CO2, tenha que contribuir com os 200.000 euros (ou 180.000) para esses projectos alternativos. Mas, se for assim, por caminhos travessos, chegamos de novo às eco-taxas e/ou ao auctioned-cap-and-trade. A justificação poderá ser diferente: em vez de ser "impedir o aquecimento global", passaria a ser "compensar pelo aquecimento global", mas em termos práticos a diferença não seria muita (e, mesmo em termos teóricos, suspeito que também não seria muita).

"Acresce que há razões ainda mais significativas para se estar céptico quanto às políticas intervencionistas propostas para combater as alterações climáticas. Nesta, como na generalidade das áreas, a concessão de poderes de intervenção alargados a entidades políticas ou administrativas tende a estrangular a inovação e a aumentar exponencialmente as possibilidades de actuação de grupos de interesse minando o funcionamento da economia de mercado. "

É só dar uma olhada pel'O Insurgente para encontrar posts reclamando do Estado por vezes não ser capaz de manter a ordem pública, pelo que me parece que já defendem politicas intervencionistas nessas situações (ou, pelo menos, defendem que, a existir Estado, ele deve intervir nesses casos). Os liberais minarquistas podem argumentar que defendem um dado conjunto de funções mínimas para o Estado (a tal defesa dos "direitos negativos"); mas, se existir realmente aquecimento global com origem humana, então, para todos os efeitos estamos a falar de uma forma de "invasão de propriedade", uma das tais situações em que penso que os liberais minarquistas são a favor do Estado intervir para a travar (e mesmo os ancaps aceitam a intervenção do Estado enquanto este existir), não?

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