Wednesday, May 07, 2008

Obesidade japonesa e ideologia

O João Miranda e o Daniel Oliveira estão entretidos a discutir se as medidas anti-obesidade do governo japonês são "ultra-liberais" ou uma consequência do "socialismo".

Eu acho que ambos estão mais ou menos certos, em função dos pressupostos que provavelmente cada um adopta.

Se definirmos "liberal" no sentido de "ideologia que acha que o Estado deve-se limitar a ser o guardião dos direitos de propriedade e da liberdade individual «negativa»" (penso que os auto-procçamdos "liberais" - pelo menos os "minarquistas" - adoptam definições parecidas com essa), então as tais medidas não terão muito de "liberal".

Se definirmos "liberal" como "alguêm que defende a redução a eito da despesa pública" (a maior parte dos socialistas, quando classificam alguém como "liberal" ou sobretudo como "neo-liberal", é a isso que se referem), essas medidas serão "liberais", já que se destinam a reduzir as despesas públicas.

E, no fundo, tanto podemos considerar que o combate estatal à obesidade é uma consequência do "socialismo" (já que, de certa maneira, é um resultado da saude paga pelo Estado) como do "liberalismo" (já que, de certa maneira, também é um resultado de se querer reduzir as despesas sociais, os impostos, etc.). Ou talvez seja uma consequência, não do socialismo nem do liberalismo, mas das "terceiras vias" e afins: perante o aumento das despesas do sistema de saúde, um socialista clássico diria "vamos aumentar os impostos sobre os ricos"e um liberal clássico diria "o Estado deve deixar de pagar a saúde"; já um "moderado", em busca de "novas soluções livres de espartilhos ideológicos" dirá "temos que preservar os beneficios da saude pública e ao mesmo tempo reduzir o peso económico de Estado, que está a pôr em causa a nossa competitividade na economia global; assim, a solução ideal é adoptar polticas preventivas que favoreçam comportamentos saudáveis".

No entanto, a ligação entre "politicas anti-obesidade" (ou anti-comportamentos menos saudáveis em geral) e saúde paga pelo Estado não me parece assim tão linear: afinal, nos EUA grande parte dos cuidados de saúde são pagos privadamente e acho que é dos países onde parece haver mais a moda das cruzadas legais pela "saúde" (não com o argumento que a obesidade aumenta as despesas com o Serviço Nacional de Saúde, mas talvez com o argumento que causa um aumento generalizado dos prémios dos seguros de saúde) - aliás, consta (até segundo alguns liberais) que o chamado nanny state começou nos países com menos welfare state.

4 comments:

Anonymous said...

O problema é, penso, que o D.Oliveira usa quando lhe convém a noção clássica de liberal (Estado guardião da propriedade e lib individual negativa) e quando lhe apetece usa a noção socialista de liberal (redução a eito da despesa pública).

Neste caso, parece óbvio que só a noção socialista de liberal se pode aplicar e não a noção que por vezes o D.Oliveira costuma usar para criticar o liberalismo.

Na prática faz críticas a fenómenos que são diferentes chamando-lhes liberalismo (ou "ultraliberalismo"..).

Anonymous said...

Muito boa análise.

Anonymous said...

Desculpe-me lá a farpa, mas o Filipe Abrantes não usa também quando lhe convém noções diferentes de socialismo?

socialismo = intervenção estatal (versão neo-liberal)

socialismo = distribuição de propriedade sujeita ao controlo da comunidade (versão clássica)

Anonymous said...

Aceito a farpa. Mas as duas versões de socialismo são basicamente a mesma. A minha noção de socialismo é a clássica: colectivização da propriedade por uma entidade central. Como todas as intervenções do estado são actos que assumem essa propriedade colectiva, então a versão neo-liberal de socialismo não é contraditória com a clássica.