Friday, March 21, 2008

A direita norte-americana tem uma tradição anti-imperialista?

Será que se pode dizer que a direita norte-americana tem uma tradição anti-imperialista, como é defendido pelos "libertarians" e "paleoconservatives" (e penso que pelo meu colega de blogue Carlos Novais)?

Numa resposta simples, acho que não.

Numa resposta não-simples, acho que sim (claro que, de qualquer maneira, um extremo-esquerdista português não será a pessoa mais apropriada para falar da direita norte-americana...).

Antes de tudo, há logo uma coisa que complica tudo - a divisão entre "direita" e "esquerda" (e os "ismos", de maneira geral) é relativamente recente nos EUA, logo análises do género "a direita/esquerda dos EUA era tradicionalmente isto ou aquilo" implica muitas vezes ir retroactivamente classificar determinados personagens, movimentos, etc. como sendo de "direita" ou "esquerda", e essa classificação acaba por estar dependente do que, à partida, consideramos como posições tipicas de "direita" ou "esquerda" (caindo-se facilmente em pescadinhas de rabo na boca).

Vamos à "resposta simples" - se a questão é se a direita dos EUA e (ou era) tradicionalmente anti-imperialista, anti-guerra, etc., penso que não. E podemos chegar a essa conclusão lendo os próprios "direitistas anti-imperialistas"!

Um exemplo - a obra The Betrayal of the American Right, de Murray Rothbard. O objectivo do livro parece-me que é narrar a luta entre o que o autor chama a "Old Right", anti-imperialista e anti-militarista, e a "New Right", defensora de uma luta mundial contra a URSS. No entanto, lendo os capitulos referentes aos anos 30 (The New Deal and the Emergence of the Old Right e Isolationism and the Foreign New Deal), o panorama é exactamente o oposto da linha geral do livro: o tema desses capítulos é exactamente a ruptura dos "individualistas" com a Esquerda e a conversão de esta (até então pacifista) ao intervencionismo externo de Roosevelt:
During World War I and the 1920s, "isolationism," that is, opposition to American wars and foreign intervention, was considered a Left phenomenon, and so even the laissez-faire isolationists and Revisionists were considered to be "leftists." Opposition to the postwar Versailles system in Europe was considered liberal or radical; "conservatives," on the other hand, were the proponents of American war and expansion and of the Versailles Treaty. In fact, Nesta Webster, the Englishwoman who served as the dean of twentieth century anti-Semitic historiography, melded opposition to the Allied war effort with socialism and communism as the prime evils of the age. Similarly, as late as the mid-1930s, to the rightist Mrs. Elizabeth Dilling pacifism was, per se, a "Red" evil. Not only were such lifelong pacifists as Kirby Page, Dorothy Detzer, and Norman Thomas considered to be "Reds"; but Mrs. Dilling similarly castigated General Smedley D. Butler, former head of the Marine Corps and considered a "fascist" by the Left, for daring to charge that Marine Corps interventions in Latin America had been a "Wall Street racket." Not only was the Nye Committee of the mid-thirties to investigate munitions makers and U.S. foreign policy in World War I, but also old progressives such as Senators Burton K. Wheeler and especially laissez-fairist William E. Borah were condemned as crucial parts of the pervasive Communistic "Red Network.".

And yet, in a few short years, the ranking of isolationism on the ideological spectrum was to undergo a sudden and dramatic shift. In the late 1930s, the Roosevelt administration moved rapidly toward war in Europe and the Far East. As it did so, and especially after war broke out in September 1939, the great bulk of the liberals and the Left "flip-flopped" drastically on behalf of war and foreign intervention. Gone without a trace was the old Left’s insight into the evils of the Versailles Treaty, the Allied dismemberment of Germany, and the need for revision of the treaty. Gone was the old opposition to American militarism, and to American and British imperialism. Not only that; but to the liberals and Left the impending war against Germany and even Japan became a great moral crusade, a "people’s war for democracy" and against "fascism" – outrivaling in the absurdity of their rhetoric the very Wilsonian apologia for World War I that these same liberals had repudiated for two decades. The President who was dragging the nation reluctantly into war was now lauded and almost deified by the Left, as were in retrospect all of the strong (i.e., dictatorial) Presidents throughout American history. For liberals and the Left the Pantheon of America now became, in almost endless litany, Jackson-Lincoln-Wilson-FDR.
Ou seja, antes dos anos 30, segundo o próprio Rothbard, a esquerda, por tradição, é que era "pacifista" e direita "belicista" (se o livro fosse só este capitulo poderia chamar-se The Betrayal of the American Left).

Outro exemplo - o direitista anti-guerra John T. Flynn, no seu livro As We Go Marching [pdf], de 1944:
These two stubborn forces—the lack of federal projects for spending, with the resistance of the states to spending on local projectsthat will complicate their already perilous fiscal position, and the resistance of the conservative groups to rising expenditure and debt—will always force a government like ours to find a project for spending which meets these two conditions: It must be a strictly federal project and it must be one upon which the conservative and taxpaying elements will be willing to see money spent. The one great federal project which meets these requirements is the army and navy for national defense. And this, of course, is quite inadequate unless it is carried on upon a scale which gives it all the characteristics of militarism. I do not propose to examine the psychological basis for this devotion of the conservative elements to military might. The inquiry is interesting, but here we are concerned with the fact and it is a fact. It is a fact that military outlays, at least within limits, generally can be counted on to command the support of those elements which are generally most vigorous in the opposition to public spending. At the same time those elements among the workers who are generally opposed to militarism are weakened in this resistance by the beneficial effect which war preparation has upon employment.

Thus militarism is the one great glamorous public-works project upon which a variety of elements in the community can be brought into agreement.
[pagina 225, negrito meu]

Isto parece indicar que o militarismo (embora, é verdade que "militarismo", "belicismo" e "imperialismo" são cada qual o seu conceito, e é possível ser uma coisa sem ser outra) é uma tradição solidamente estabelecida na direita dos EUA (tal como em grande parte do mundo), e não uma criação "recente" (isto é, dos anos 50) da National Review. Ou seja, a direita anti-militarista/anti-imperialista/"isolacionista" dos anos 30/40 é que foi um desvio histórico.

E mesmo esse chamado "isolacionismo" era um bocado ambíguo, já que me parece que sempre foi uma mistura algo confusa de "anti-imperialistas" (opostos a intervenções externas dos EUA) e de "imperialistas por conta própria" (a favor de os EUA criarem o seu próprio "império" na América do Sul e no Pacífico, em vez de se envolverem em alianças com os países europeus). Provavelmente uma das razões porque a oposição à participação dos EUA na II Guerra Mundial evaporou-se tão depressa foi porque esta participação começou no Pacifico contra o Japão, uma área que para alguns "isolacionistas" e "america firsters" era zona de interesse dos EUA. E já nos anos 50, Republicanos conservadores como o senador Taft, que eram dos que mais se opunham à NATO e ao envolvimento militar dos EUA na Europa, eram simultaneamente dos maiores defensores da "linha dura" na guerra da Coreia.

Aliás, note-se que, nos anos 20, uma época frequentemente apontada como o auge do "isolacionismo" norte-americano, com a recusa em participar na S.D.N., o afastamento dos assuntos europeus, e isso tudo, os E.U.A. continuaram a ocupar militarmente o Haiti, a Nicarágua, e a intervir com alguma regularidade nos países da América Central.

Agora, se o ponto for não "a direita dos EUA é por tradição anti-imperialista" mas sim "na direita dos EUA há várias tradições, e algumas são anti-imperialistas", aí a resposta (a tal resposta não-simples...) já será positiva (e, de qualquer forma, seria provavelmente positivo para a humanidade se os conservadores norte-americanos se convencessem a eles mesmos que tinham uma tradição anti-imperialista).

4 comments:

Rui Fonseca said...

Falar-se de tradição imperialista ou anti-imperialista da direita ou da esquerda norte-americanas parece-me falacioso.

Pode discutir-se de os EUA têm uma postura imperialista, quando, ou desde quando.

A ocupação do Iraque, por exemplo, decorre de uma decisão comandada pela direita ou tem raízes que cresceram em todas as administrações norte-americanas a seguir à primeira guerra mundial e ao despertar do interesses pelas jazidas de petróleo naquela área do globo?

Os EUA possuem todos os atributos que caracterizam um império, embora com algumas nuances que o evoluir dos tempos impregnaram nas relações entre os povos. E não vão deixar de o ser por imposição da sua própria dimensão no contexto global. Até que essa dimensão seja ultrapassada ou equiparada por outra.

Independentemente do posicionamento mais liberal ou mais conservador das administrações no poder.

Salvo melhor opinião.

CN said...

Belissima posta. Fica a promessa de diálogo.

Desde a sua fundação que nos EUA existe a tensão entre o espirito libertarian (centrado nas liberdades naturais do homem e comunidades) e a de um normal Estado (normal porque todeos os Estados acabam a desenvolver elites que o justificam, pretendem aumentar, e vivem à volta dele).

CN said...

Tenho de confirmar Taft na questão da Coreia, mas não me parece que tenha sido o grande entusiasta.

Miguel Madeira said...

"Tenho de confirmar Taft na questão da Coreia, mas não me parece que tenha sido o grande entusiasta."

Creio que ele inicialmente opôs-se, não tanto à guerra em si, mas à entrada na guerra sem autorização do Congresso, mas, pelo (pouco) que li, a partir do momento em que os EUA efectivamente entraram na guerra, ele até era dos que queriam alargar a guerra à China.