Monday, February 05, 2007

"Despenalização" vs. "Liberalização" II

(sim, eu disse, nos comentários do Blasfémias, que "esta conversa [é] uma aberração", mas pronto...)

Imaginemos que se fazia a vontade aos que dizem que "a pergunta é enganosa" e esta passava a ser "Concorda com a liberalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, nas primeiras 10 semanas, se realizada por opção da mulher, num estabelecimento de saúde legalmente autorizado?".

Agora, o que entendemos por "liberalização"?

Se adoptarmos uma definição "dura" de "liberalização" (algo como "ausência de regulamentação") a pergunta, logo à partida, seria contraditória - se não há regulamentação, que conversa é essa de "estabelecimento de saúde legalmente autorizado"? Além disso, tornaria impossível a aplicação de propostas como "prazos de reflexão"e afins.

Por outro lado, se adoptarmos uma definição "suave" de "liberalização" ("tornar mais livre"), então o referendo tornar-se-ia quase vazio de conteúdo - se ganhasse o "SIM", isso poderia abarcar qualquer micro-alteração da lei que tornasse mais livre o aborto antes das 10 semanas. P.ex, aí o SIM poderia ser usado para despenalizar, apenas, abortos realizados por mulheres no desemprego, ou por mulheres com menos de 18 anos (ou com mais de 43...), ou por mulheres solteiras, ou abortos que tenham tido parecer positivo prévio da delegação local da Segurança Social, ou sei lá o quê...

9 comments:

Mentat said...

Vale a pena comentar aqui, ou só os comentarios que gosta é que aparecem ?

Miguel Madeira said...

Comentários do gênero:

"Great site. Excelente information. Go here"

são apagados.

Mentat said...

Eu não fiz nada disso.

JoaoMiranda said...

O que interessa para a discussão é que:

- o termo "liberalização" é usado na discussão política como significando "tornar mais livre". Nunca ninguém que defende a liberalização está a defender o fim total da regulamentação. Apenas se pede que a regulamentação se atenue.

- o que vai acontecer após a vitória do Não é uma liberalização no sentido descrito no ponto anterior. Não interessa agora discutir como deveria ser escrita a pergunta. Interessa sim saber quais as consequências de um SIM à pergunta. A pergunta é política, não é um inquérito à população.

Mentat said...

Talvez tenha sido "nabice" minha, vou tentar de novo...

Mentat said...

««« Sinceramente, não sei se esta oposição entre "liberalização" e "despenalização" fará grande sentido - dizer "podes fazer isto" (liberalização) ou "não levas castigo nenhum se fizeres isto" (despenalização) é quase a mesmo coisa. »»»

Esta é a MINHA justificação porque é que liberalização não é a mesma coisa do que despenalização (outros terão outras justificações).

Começo por um exemplo (diferente do assunto das drogas e da prostituição, que já enjoa):

Se num determinado Município houver um regulamento restritivo quanto à palete de cores com que se podem pintar as fachadas dos edifícios, penalizando quem pintar as mesmas com cores que não sejam as autorizadas, por exemplo rosa e amarelo, não se pode rectificar esse regulamento acrescentando que alem do rosa e do amarelo também se pode pintar da cor que apetecer ao proprietário.
Esta ultima regra, prejudica todas as anteriores e efectivamente liberaliza a pintura das fachadas.

Assim se uma das opções de abortar legalmente for o mero desejo da mulher, todas as outras opções estão prejudicadas.

Depois este referendo nasce para dar suporte a um projecto-lei do PS, que não só liberaliza o aborto até às 10 semanas como tem “particularidades” que estendem esse prazo até às 14 semanas (e houve quem propusesse 20 semanas).

Portanto estamos efectivamente perante uma liberalização do aborto porque deixa de ser necessário existirem fundamentos médicos e o seu prazo será o que os legisladores bem entenderem.

Quanto ao »»» "em estabelecimento de saúde legalmente autorizado", ««««, esta parte da pergunta só deve servir (na minha opinião) para justificar o financiamento publico do aborto.
Se se pode nascer em qualquer lugar, até em casa, porque é que não se pode “desnascer” também ?
Vai haver um “alvará” para abortadeiras ?
Talvez uma Ordem Profissional ?
.

Miguel Madeira said...

ainda a respeito dos comentários: todos os comentários aparecem, já que o sistema não tem moderação. Mesmo que eu o apague 2 minutos depois, no momento imediatamente a seguir a um comentador postar um comentário, ele está visivel, quer eu queira, quer não.

Logo,se alguem fazer um comentário e ele não aparecer imediatamente, é "nabice" (do utilizador, do computador ou da rede).

Agora há uma questão - comentários grandes (como o do mentat às 11:52) dificilmente entram à primeira: como demoram muito tempo a serem escritos, quando são "postados" a palavra que o sistema está à espera já não é aquela que foi mostrada inicialmente, logo o comentário é rejeitado à primeira e é preciso voltá-lo a introduzi-lo com uma nova palavra.

Miguel Madeira said...

"Assim se uma das opções de abortar legalmente for o mero desejo da mulher"

Mas "o mero desjo da mulher" não é um "ou" (condição suficiente), é um "e" (condição necessária) - o que a pergunta, se respondida afirmativamente, determina é que um aborto só será despenalizado/liberalizado se gor feito por opção da mulher, não que todos os abortos feitos por opção da mulher serão despenalizados/liberalizados.

"Vai haver um “alvará” para abortadeiras ?"
"Talvez uma Ordem Profissional ?"

eu não me admirava nada que viesse aí legislação dizendo que só "profissionais de saúde devidamente credenciados" poderão realizar abortos

Pedro Viana said...

Vou colocar aqui um comentário meu que recentemente escrevi no 5dias, relacionado com a questão levantada, e que reflecte algo que nunca vi referenciado em nenhum lado:

"Algo que não me cessa de espantar é tantos auto-intitulados liberais continuamente utilizarem, no contexto do próximo referendo, o termo “liberalização” como algo extremamente negativo. Não se dão conta de que estão a re-forçar a conotação negativa do termo na sociedade portuguesa, ainda por cima através duma questão tão emocional como o aborto? Que estão assim a facilitar a vida a todos aqueles que atacam a “liberalização dos despedimentos”, a “liberalização do comércio”, etc? Estão a ajudar a treinar os portugueses a saltar e rosnar, tipo cão de Pavlov, sempre que ouvirem o termo liberalização. Estão a dar um autêntico tiro no pé a médio-longo prazo. Não me cessa de espantar…. Independentemente dos resultados deste referendo, a Esquerda desde já agradece aos apoiantes do “Não” esta importante contribuição para a “educação” da sociedade portuguesa"