Monday, November 27, 2006

O vêu islâmico

Quando se fala na eventual proibição do véu islâmico, um argumento usual é que essas mulheres são obrigadas pelos maridos ou pela familia a usarem o véu. Ora, julgo que metade das mulheres muçulmanas de Portimão que usam uma variante do véu são casadas com cristãos (ou melhor, "é casada" - trata-se de uma em duas). Será que usa o véu obrigada pelo marido? Claro que se pode dizer "Ela pode não ter ninguém a obrigá-la a usar o véu, mas é à mesma obrigada por uma cultura interiorizada", mas, se se trata de uma caso de "auto-opressão", a melhor solução é esperar que elas se "auto-libertem", não que venham terceiros obrigarem-nas a ser livres.

Outro argumento revelador é que se custuma ler nas caixas de comentários dos blogues é "as nossas jornalistas, quando vão a esses país têm que andar sempre tapadas!". Digo que é revelador porque mostra que muitos defensores da ilegalização do véu o são, não por qualquer preocupação com o laicismo ou os direitos das mulheres, mas apenas por uma atitude de "estão cá, têm que seguir as nossas tradições!" - se essas pessoas tivessem nascido num país muçulmano com certeza seriam os maiores defensores da lei islâmica (e, quem sabe, da restauração do califado...). Já agora, diga-se que a analogia não é correcta - na maior parte dos paises muçulmanos não há nenhuma lei obrigando ao uso de véu (e é disso que se fala, de uma lei proibindo o uso do véu).

Já agora, quanto a questão se o véu é um simbolo de integração ou de separação, eu acho-a irrelevante (o que interessa é se é voluntário ou imposto), mas mesmo que fosse uma questão importante, suspeito que os véus, abayas, hijabs, burkas, etc. tenham aparecido, nem para "integrar" nem para "segregar", mas para uma razão mais prosaica: reduzir as perdas de água devido à transpiração num clima desértico (note-se que os trajes tradicionais dos homens nesses países também não deixam muita pele à mostra) e, com o tempo, o que era apenas um hábito motivado por razões práticas tornou-se um tabu social. Aliás, nem sei se será correcto falar em véu "islâmico": não tenho certeza, mas penso que o Corão apenas diz que a mulher deve "andar coberta", sem especificar exactamente o que deve andar "coberto" - claro que, numa sociedade em que, devido às tais razões climáticas, as mulheres (e os homens) usam panos da cabeça aos pés, o "andar coberta" acabou por ser interpretado como "coberta da cabeça aos pés", mas, se o islamismo tivesse surgido em França ou na Amazónia, se calhar, o "andar coberta" seria interpretado de forma totalmente diferente (mesmo que as palavras fossem exactamente as mesmas).

Um ultimo ponto: também pretendem ilegalizar os trajes típicos das mulheres ciganas (pelo menos um desses trajes é quase igual ao das mulheres iranianas)?

1 comment:

Pedro Magalhães said...

Nesta questão do véu há que distinguir duas situações:

1. o uso do véu islâmico no quadro das instituições do Estado
2. o uso do véu islâmico na esfera privada

Eu sou a favor da proibição no primeiro caso e contra no segundo.

Escrevi um post sobre o asssunto no meu blogue.