Sunday, June 25, 2006

Espero que ainda tenham paciência para me aturarem com este assunto...

No seu post "No comunismo não há voluntários", Dos Santos escreve:

"Numa sociedade livre, as pessoas podem fazer valer os seus direitos quando bem entenderem enquanto numa sociedade anarco-comunista ninguém pode fazer nada porque é forçado a "partilhar" por defeito. Deixa de ser uma sociedade livre onde as coisas são partilhadas por necessidade ou vontade própria para se tornar numa em que nem se pode dizer que haja realmente partilha, mas sim uma obrigação de manter a sua propriedade como colectiva ou comunitária. Não tem outro nome senão o de totalitarismo."

Naquilo a que Dos Santos chama "sociedades livres", as pessoas também não "podem fazer valer os seus direitos quando bem entenderem". Como Dos Santos considera que o exemplo que dei da praia é infeliz, vou dar um exemplo da autoria de um liberal, o economista Israel Kirzner:

"Consider . . . the case . . . of the unheld sole water hole in the desert (which everyone in a group of travellers knows about), which one of the travellers, by racing ahead of the others, succeeds in appropriating . . . We notice that the energetic traveller who appropriated all the water was not doing anything which ... the other travellers were not equally free to do."["Entrepreneurship, Entitlement, and Economic Justice", citação extraída daqui]

Segundo Kirzner, o primeiro membro de um grupo de viajantes no deserto que chegue a um lago de água pode legitimamente proclamar-se seu proprietário (imagino que isso requeira alguma forma de uso, como beber água). Ora, isto significa que, no que Kirzner (e se calhar também Dos Santos) considera uma "sociedade livre", os outros viajantes não "podem fazer valer os seus direitos quando bem entendem" - eles só podem beber água se o novo proprietário autorizar (os liberais - sobretudo os ancaps - tentarão contornar este ponto argumentando que os outros viajantes não têm nenhum direito a beber água, mas isso é um raciocinio totalmente circular).

Dos Santos argumenta que a implementação de um regime anarco-socialista só seria legítima se tivesse a concordãncia de 100% dos individuos afectados por essa implementação. Mas, por essa ordem de ideias, a proclamação de um determidado bem como propriedade privada também só seria legitima se tivesse a concordãncia de 100% dos individuos afectados por essa proclamação (o que inclui não apenas o individuo que faz essa proclamação, mas todos os individuos das redondezas - no exemplo, todos os viajantes são potencialmente afectados pela proclamação da lagoa como propriedade privada).

Já agora, diga-se que na vida real (e sobretudo numa sociedade em que o Estado estivesse ausente - como, aliás, é o mais provável no meio do deserto) esta apropriação de propriedade dificilmente ocorreria: quando o primeiro viajante dissesse "Esta lagoa é minha!", os outros provavelmente pensariam "Já apanhou Sol de mais." e iriam à mesma beber água. E, caso o proprietário imaginário tentasse fazer algo para obrigar os outros respeitar a sua propriedade imaginária, provavelmente iria (parafraseando Salvador) levar uma valente chapada na tromba. Não hando juízes nem notários o que aconteceria a essa pessoa era apanhar uma grande malha, para nunca mais se lembrar de vir aplicar o conceito de propriedade quando ele não faz sentido. Porque é assim que funcionam os humanos.

1 comment:

Anonymous said...

o dos santos dá um argumento batido.

já ouvi mais de centenas de vezes esse argumento e não tem nexo nenhum.

dá para virar as regras do jogo ao contrario, como o miguel exemplificou.

ele só vê as coisas de uma perspectiva, isto é, se o regime de propriedade for diferente do que ele defende então é totalitarismo.

apesar de ele saber muito bem, ou se calhar não, que a pessoa pode usufruir em pleno do seu trabalho, ou seja, usufruir pleno do uso da propriedade.