Wednesday, June 21, 2006

Ainda a questão de quem decide do uso da propriedade comunitária

A respeito da questão, a que Dos Santos faz referência, de quem decide (ou regula...) acerca do uso da propriedade comunitária, creio que um bom ponto de partida poderá ser a imaginada por Neno Vasco no seu livro "Concepção Anarquista do Sindicalismo" (Neno Vasco fala no contexto do anarquismo comunista, mas creio que as suas ideias podem ser aplicadas a outras versões do socialismo anarquista).

"A revolução deve desde logo socializar (...) todos os ramos da produção, transportes e distribuição indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade moderna. E como orgãos ao mesmo tempo gerentes e executores desses serviços, não vemos senão as respectivas associações de trabalhadores"

(...)

"A garantia última e decisiva é o direito que (...) todos têm de entrar em cada uma das associações produtoras e de se servir dos instrumentos de trabalho que ela maneja (...)"

"Sob pena de não estarem socializados os meios de produção, nem abolida a autoridade, o sindicato, o grupo profissional do futuro tem de ser aberto e de não possuir exclusivamente os meios de produção. Cada um, se quiser, deve poder mudar de profissão ou até pôr-se a produzir individualmente. Quando, por exemplo, a união local tiver ultrapassado o ponto optimum (...) os que assim o entederem devem poder construir ao seu lado outra federação ou comuna"

Pegando nas ideias de Neno Vasco, e "trabalhando-as" um pouco , podermos ter um sistema simples e descentralizado de gestão da propriedade colectiva:

  • Os bens da comunidade seriam geridos - em democracia directa - pelas associações de produtores (ou de utilizadores)
  • Qualquer pessoa poderia aderir a essas associações
  • Um grupo de membros de uma associação (provavelmente, a partir de uma certa dimensão) poderia constituir-se numa associação autónoma, passando a gerir uma fracção (mais ou menos proporcional) dos bens originalmente geridos pela associação de origem.

Assim, temos todas as condições para o funcionamento de uma sociedade anarco-socialista:

  • não há uma autoridade centralizada: haveria montes de associações, e ainda por cima com possibilidade de se cindirem - só com uma grande elasticidade conceptual se poderia considerar essas associações como "Estados"
  • os bens, em ultima instancia, pertencem a todos (já que todos podem entrar nas associações)
  • e, em caso de disputas em várias pessoas querem utilizar bens em quantidade limitada e não conseguem chegar a um acordo, há uma entidade (a associação que gere os bens em causa) que pode determinar regras para resolver esses casos
Claro que se pode argumentar que continua a haver a possibilidade de não haver entendimento aquando da cisão de uma associação para a divisão dos "seus" bens, mas penso que essas dispitas seriam facilmente solucionáveis (p.ex., poderiam recorrer ao sistema de "um parte e o outro escolhe").

Assim, creio ter demonstrado que uma sociedade sem Estado e com propriedade colectiva pode funcionar, ou seja, que o anarco-socialismo não é conceptualmente absurdo (claro que poderá haver quem diga que o anarco-socialismo é indesejável, injusto, economicamente ineficiente, etc., mas volto a recordar que ponto central do argumento de Dos Santos era que o anarco-socialismo era absurdo e, para funcionar, implicaria um "Estado").

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