Thursday, April 20, 2006

Das Kapital - Volume V - as relações de produção na blogosfera

O proletariado da blogosfera.

O proletariado da blogosfera é composto pelos trabalhadores que, não possuindo os meios de produção (blogue próprio), vendem a sua força de trabalho a outrém (ou seja, à burguesia). Como isto se processa: o proletário escreve textos, tira fotografias, faz desenhos, etc. e envia-os para um blogue. O proprietário capitalista, usando o seu poder sobre os meios de produção e, portanto, sobre o trabaho alheio, escolhe-os e faz o essencial do seu blog a partir deles (por vezes, junta-lhe algum material de fabrico próprio).

Diga-se que, talvez devido ao caracter recente dos blogues, o mode de produção capitalista ainda se encontra na fase do "domestic system", incluindo alguns dos seus aspectos mais típicos, como o recurso ao trabalho infantil.

A mais-valia

O proletário recebe, como paga, o seu nome no fundo do post publicado (além da satisfação pessoal de ver o fruto do seu trabalho). Em contrapartida, o blogue em questão valoriza-se (em termos de audiência), já que, quantas mais actualizações um blog tem, maior é a tendência dos leitores para irem lá espreitar a ver o que há de novo. A diferença entre o aumento de audiência do blogue motivada pelas constantes actualizações e o pequeno beneficio (em termos de notabilidade) que os proletários recebem constitui a mais-valia.

A reprodução do capital

O material enviado pelos proletários contribui para dar vida ao blogue, fazendo com que tenha mais audiência (mesmo que, individualmente, grande parte do trabalho publicado tenha pouco valor-de-uso, o facto de ser muito compensa isso). A audiência do blogue contribui para que os proletários enviem para lá o seu trabalho.

Note-se que, num blogue com estas caracteristicas, a remuneração dos proletários (i.e., uma referência no fim do post) não é suficiente para que eles proprios iniciarem um processo de acumulação - enquanto um blogue com comentários permite o surgimento de uma pequena-burguesia (comentadores que têm o seu próprio blogue e que, ao fazerem comentários, acabam por ganhar também audiência), nos blogs deste tipo os trabalhos dos proletários não são publicados com links, não podendo ser o ponto de partida para a afirmação e desenvolvimento de um blogue próprio.

A sobrevivência de formações sociais pré-capitalistas

Além da burguesia e do proletariado, as outras classes sociais continuam a sobreviver na blogosfera, nomeadamente a pequena-burguesia e o campesinato.

A pequena-burguesia é composta pelos pequenos artesãos que trabalham no seu próprio blogue individual. Paralelamente, tem-se notado uma certa força das comunidades aldeãs, em que os individuos têm à sua disposição, não a sua pequena propriedade privada, mas o terreno comunal, aonde os vários habitantes da aldeia publicam os seus posts, limitados mais pelos costumes informais de boa-vizinhaça comunitária do que por normas formais (se calhar já estou a exagerar na metáfora...).

A meio caminho entre a propriedade privada e a comunitária, temos os blogues abertos aos visitantes (vulgo, blogue com caixa de comentários), na velha tradição de se poder entrar em terra alheia para apanhar caracóis. Tal acaba por limitar bastante a proletarização da blogosfera - se eu posso ir fazer comentários num blogue, é meio caminho andado para adquirir, quer o treino, quer o mínimo de notoriedade que dá jeito para abrir um blogue próprio (da mesma forma que a existência de terrenos de uso comunal - aonde podiam, p.ex., levar o gado - ajudava os pequenos agricultores a manterem as suas pequenas propriedades).

Assim, temos uma classe social específica, a meio caminho entre a pequena-burguesia e o proletariado (embora outros prefiram qualificá-los como "proletariado", usando com pouco rigor as ferramentas - pelos vistos, já enferrujadas - do materialismo dialéctico): os não-proprietários (sem blogue) e micro-proprietários (com um blogue que quase ninguêm lê) que conseguem manter a sua independência (mais exactamente, a sua capacidade de expôr opiniões) aproveitando o open field (ou, se preferirem, as caixas de comentários).

Diga-se que a oposição da burguesia aos não-proprietários que sobrevivem graças ao "terreno livre" já vem de longe: nos séculos XVII e XVIII, os industriais (e os seus propagandistas) eram grandes entusiastas das enclosures (argumentando - com razão - que a existencia de terrenos de acesso livre dava às "classes inferiores" uma independência que as tornava inaptas para trabalhar nas fábricas).

[esta metáfora foi mesmo longe de mais, não foi?]

Sugestão de leitura: Luta de Classes na Blogosfera

8 comments:

Ricardo Alves said...

Excelente análise. Acho que prova que o marxismo está vivo, pelo menos na blogo-esfera... ;);););)
Já agora, não será que alguns dos blogues colectivos são comunas livres, e outros são empresas?

aL said...

magnífico, miguel, magnífico!

RAF said...

O PPM será assim uma espécie de Marx, que anteviu o fim da blogosfera, como desiderato desta luta de classes?

Anonymous said...

metafora engraçada.

a blogosfera tem algo que supera o mundo tal como o conhecemos, a capacidade de usar algo e modifica-lo sem copyright, e assim vêem-se textos e imagens a se transformarem de uma coisa simples para algo mais complexo e completo.
para alem de que mesmo os microproprietarios, como o miguel muito bem exemplificou, que são igualmente importantes.

Miguel Madeira said...

"O PPM será assim uma espécie de Marx, que anteviu o fim da blogosfera, como desiderato desta luta de classes?"

Para falar a verdade, dias depois do fim do acidental, eu fui ao blog do RAF e metade do blog não se via - tive que fazer "refresh" para poder ver tudo. Ou seja, o Blue Lounge pode não ter implodido, mas ainda apanhou com as ondas de choque provocadas pelo fim da blogosfera.

Miguel Madeira said...

"Já agora, não será que alguns dos blogues colectivos são comunas livres, e outros são empresas?"

Penso que não - mesmo nos blogs colectivos que têm "comandantes" e "consultores" não me parece (pelo menos visto de fora) que haja grande subordinação hierárquica.

O mais parecido com uma empresa acho que é o Abrupto, que combina o carácter privado da propriedade com o carácter social da produção, e em que existe uma clara distinção entre o proletariado que produz os "conteúdos" e o patronato, que possui e dirige o blogue.

Anonymous said...

Pois é, caro Miguel, ando a abusar das imagens e por isso as vezes o blogue fica assim meio marado.
Mas o fim está ainda bem longe:)
Um abraço,
RAF

xatoo said...

está bem caçado sim senhor. É impossivel que não tivesse sido escrito a pensar no pacheco pereira que utiliza o trabalho escravo dos leitores - como se vê as relações de produção nos blogues neoliberais tambem acompanham os tempos - e os leitores nem podem piar pq não tem caixa de comentários,,,