Sunday, April 30, 2006

O sistema eleitoral (VI)

Se Portugal tivesse um sistema eleitoral maioritário com maioria simples (à maneira inglesa), como teria sido a distribuição de deputados no parlamento? Na faculdade, o meu colega Ricardo Bravo fez um trabalho sobre isso ("Sistemas Eleitorais: Aplicação a Eleições Portuguesas"), e chegou a estas conclusões:

Eleições de 1975

PS 160 deputados
PPD 76 ""
PCP 11 ""

Eleições de 1991

PSD 216 deputados
PCP 8 ""
PS 2 ""

O sistema eleitoral (V) - leituras recomendadas

Electoral Systems Index
Electoral Systems (BP334E)

O sistema eleitoral (IV)

Após estes posts a atacar o sistema maioritário, tenho que reconhecer que ele talvez tenha uma vantagem - é que eu acho que os eleitores devem ter o direito de, a qualquer momento, destituirem os seus representantes (através de mecanismos como o referendo revogatório). Ora, a revogação dos eleitos talvez seja mais fácil de funcionar em sistema maioritário - no entanto, não acho que seja também muito dificil de aplicar num sistema proporcional.

Além disso, como um dos argumentos dos defensores do sistema maioritário é de que favorece a "governabilidade", duvido que fossem defender o instituto da revogação dos representantes.

O sistema eleitoral (III)

Apesar dos posts que escrevi, acho que o sistema eleitoral poderia ter uma maior proximidade entre eleitores e eleitos, mas o sistema maioritário não me parece a melhor maneira de atingir isso.

Só um exemplo: desde sempre que o PS tem muitos mais votos que o PCP/CDU/APU/FEPU. No entanto, com um sistema maioritário a uma volta (em que é eleito o deputado mais votado no circulo, mesmo que sem maioria absoluta), em grande partes das legislaturas dos últimos 30 anos, o PCP teria tido muitos mais deputados que o PS! Como isso seria? Até há poucos anos, o PCP (nos seus diversos heterónimos) tinha um conjunto de regiões (Alentejo e cintura industrial de Lisboa) aonde era o partido mais votado (logo, elegeria os deputados por essas regiões). Pelo contrário, o PS era um típico “2º partido”: no Norte ficava atrás do PSD e no Alentejo do PCP. Só nas grandes cidades é que o PS disputava o 1º lugar com o PSD. Ora, nas eleições em que o PS perdia, também perdia nessas cidades para o PSD, logo quase não elegeria deputados (quase só nalgumas localidades do “Algarve profundo” – como Aljezur – é que o PS conseguia ser o mais votado mesmo quando perdia as eleições nacionais).

Que alternativas haveriam para os eleitores poderem escolher pessoalmente os seus deputados sem os problemas do sistema maioritário? Há várias:

O sistema plurinominal com listas abertas: neste sistema, os eleitores, além de votarem num partido, podem escolher o candidato que preferem (normalmente identificado por um número). Assim, se um partido elegesse 3 deputados, seriam eleitos os 3 candidatos com mais votos individuais (ex. Finlandia).

O sistema uninominal com compensação: neste sistema, para eleger os “nossos” 8 deputados, o Algarve seria dividido em 4 círculos uninominais, e elegeria mais 4 num circulo regional Imagine-se que o PS tinha 50% dos votos e ganhava em 3 círculos; o PSD 30% e ganhava num circulo; o BE 10% e o PCP 6% e não ganhavam em lado nenhum. O PS elegeria 3 deputados uninominais (nos tais círculos aonde ganhou) e mais 1 deputado no circulo regional (ou seja, 50% dos 8 deputados menos os 3 eleitos nos círculos uninominais); o PSD elegeria um deputado uninominal mais outro no círculo regional (já que os 30% aplicados a 8 deputados lhe daria direito a 2); o BE e o PCP elegeriam apenas, cada um, um deputado no círculo regional.

Registe-se que estou a fazer a distribuição dos deputados pelo método de Hare-Nyemeir, que é o que se usa na Alemanha (o pais aonde o sistema uninominal com compensação é mais tradicional). Se a distribuição fosse pelo método de Hondt, o PS elegeria 1 ou 2 deputados pelo circulo regional, o PSD também 1 ou 2, e o Bloco talvez elegesse 1 (ou seja, 2 deputados iria ser disputados às décimas pelo PS, PSD e BE).

Note-se que nesse sistema os deputados plurinominais também podem ser eleitos num circulo nacional (em vez de em circulos regionais)
        O sistema de voto transferivel: seguir o link para ver a explicação.

          Um aparte

          Após elencar os candidatos a deputados de Portimão melhor posicionados nas listas partidárias nas ultimas eleições, reparei numa coisa engraçada: tanto o PS (Luis Carito), o PSD (João Amado) e a CDU (Fernando Melo) candidataram médicos.

          O sistema eleitoral (II)

          Também é argumentado que o sistema plurinominal é pouco representativo. Henrique Monteiro escreve que "o nosso Parlamento, parecendo muito representativo não o é de facto. É, sem dúvida, proporcional, representando as diversas ideias e movimentos (...) mas não representa pessoas ou comunidades concretos".

          Gostava de saber o que são "comunidades concretas" - ou melhor, eu sei perfeitamente que é uma forma de dizer "comunidades locais", mas não vejo porque é que a "localidade" há de ser mais "concreta" que as "ideias ou movimentos". Na verdade, quase de certeza que um portimonense que vota no BE é mais parecido com um lisboeta que vota BE do que com um portimonense que vota CDS. Assim, as entidades colectivas "BE" e "CDS" não são menos concretas do que a entidade colectiva "Portimão" (ou seja, se calhar até faz mais sentido que os deputados representem o BE ou o CDS do que Portimão ou Tavira).

          Eu reconheço que há muitas vantagens em saber que é "o nosso deputado", mas essas vantagens também devem ser relativizadas: mesmo num sistema uninominal, quando o deputado de Portimão vota contra uma lei e a maioria vota a favor, a lei é aprovada e os portimonenses vão ter que viver com ela (e não apenas os habitantes das localidades cujos deputados votaram a favor da lei). Ou seja, os portimonenses são tão afectados pelos votos do deputado de Portimão como pelo dos do deputado de Vila do Conde. Assim, mesmo num sistema uninominal, seria mais importante para a vida dos habitantes do Portimão a representação global no Parlamento do PS, PSD, CDU, CDS e BE do que "o nosso deputado" ser o Luis Carito, o João Amado, o Fernando Melo, o Carlos Silva ou o João Vasconcelos.

          Saturday, April 29, 2006

          O sistema eleitoral (I)

          Agora está na moda defender os circulos uninominais (e as figuras tristes que alguns deputados fazem ajudam a pôr em causa o sistema actual). Um exemplo é o artigo de Henrique Monteiro, "As pessoas e as facções", no Expresso de hoje.

          Este diz "elege[r os deputados] por circulos pessoais (...) é diminuir a proporcionalidade (...). Mas a proporcionalidade não é única vertente a ter em conta num Parlamento. Este terá por responder por mais dois aspectos: governabilidade e representatividade".

          Para começar, quero frisar que é perfeitamente possível ter proporcionalidade e candidaturas uninominais (como na Alemanha), mas isso será objecto de um post mais para a frente. Para já, vou abordar a questão da "governabilidade".

          Os defensores do sistema maioritário (em que só o partido mais votado num dado circulo elege deputados) argumentam que este favorece a "governabilidade", já que torna mais fácil a criação de maiorias absolutos. Mas, se, num sistema proporcional não se forma uma maioria absoluta, isso quer dizer que os eleitores não votaram maioritariamente em nenhum partido, ou seja, que a maioria do povo não quis um governo maioritário. Logo, se a maioria dos eleitores não quis que um determinado partido tivesse a maioria, preferindo antes um governo minoritario ou de coligação, que sentido teria haver um governo de maioria de um só partido?

          Aliás, não há qualquer ligação significativa entre “proporcionalidade" e (in)"governabilidade": a maior parte dos países europeus tem representação proporcional, governos de coligação, etc., sem que isso cause alguma instabilidade significativa (essas coligações frequentemente duram os 4 anos da legislatura). Por outro lado, creio que o único país da Europa "continental-ocidental" com sistema maioritário é a França, que até nem é um paradigma de "governabilidade"...

          A verdadeira razão da instabilidade politica portuguesa (e outras, como da I república italiana, e talvez também a da IV república francesa) é outra: como (em parte devido à geopolitica da "guerra fria"), socialistas e comunistas não se coligavam, sempre que a esquerda era maioritária no parlamento tinhamos coligações "contra-natura" entre os socialistas e a direita, que rebentavam em pouco tempo.

          Tuesday, April 25, 2006

          25 de Abril (II)

          A esta hora, o golpe militar estava em marcha. A revolução só começaria umas horas depois, quando o povo na rua manifestou o seu apoio aos militares (ignorando, aliás, as ordens do MFA, que havia apelado para a população ficar em casa).

          Um dos melhores livros sobre o PREC

          "O futuro era agora", das Edições Dinossauro (coord. por Francisco Martins Rodrigues), sobre os movimentos populares após o 25 de Abril.

          Monday, April 24, 2006

          25 de Abril

          8500 - XXX

          Uma das poucas coisas que li do João César das Neves que achei jeito foi quando ele criticou os novos códigos postais como desnecessários, argumentando que passava a haver mais códigos possíveis do que habitantes.

          Mas, mesmo assim, não adiantou: consegui-se à mesma que, numa mesma urbanização (ou melhor, em duas urbanizações continguas com o mesmo nome), dois edificios chamados ambos "Lote 9999" (claro que não é esse o número) tivessem a mesma terminação de código postal, apesar de estarem em ruas diferentes e muito longe um do outro (ou seja, em termos de endereço, são quse indistinguíveis). Qual seria a probabilidade de isso acontecer? E, claro, a habitante do outro lote que não pagou a TV Cabo tinha que ser a que mora no andar e apartamento equivalente ao meu.

          No meio de tantos acontecimentos improváveis estatisticamente, outro acontecimento poderia ter sido a equipa da TV Cabo que foi desligar a ligação ter tido a sorte de acertar no apartamento (infelizmente, falharam).

          Sunday, April 23, 2006

          UGT arromba porta aberta

          A UGT quer que os dias das pontes passem a descontar nas férias.

          Saturday, April 22, 2006

          Acerca das "conspirações" do 11 de Setembro

          O Insurgente posta um artigo do San Francisco Gate acerca das teorias conspirativas sobre o 11 de Setembro.

          Bem, eu, realmente, acho a teoria que o Sofocleto tem vindo a defender duvidosa. No entanto, há uma teoria, frequentemente englobada entre as "teorias da conspiração", que parece ter fortes indícios a favor: a de que os serviços secretos israelitas teriam o grupo de Mohamed Atta sobre vigilancia e poderão ter tido conhecimento antecipado dos ataques (e que em 2001 estaria em curso uma vasta acção de espionagem israelita nos EUA) - note-se que esta tese não diz que os israelitas foram responsáveis pelos ataques, apenas que terão ocultado a informação que dispunham (também há a versão que, realmente, terão informado a CIA e esta os terá ignorado).

          O site Antiwar.com tem um "dossier" sobre o assunto. Claro, pode-se argumentar que Antiwar.com é um site "isolacionista" (i.e., defende que os EUA não se devem envolver em alianças internacionais), logo as suas posições são "suspeitas". No entanto, grande parte da informação que apresentam são artigos da imprensa "mainstreem" (os artigos de Justin Raimundo também são abundantemente documentados por links para a informação que cita).

          Thursday, April 20, 2006

          Das Kapital - Volume V - as relações de produção na blogosfera

          O proletariado da blogosfera.

          O proletariado da blogosfera é composto pelos trabalhadores que, não possuindo os meios de produção (blogue próprio), vendem a sua força de trabalho a outrém (ou seja, à burguesia). Como isto se processa: o proletário escreve textos, tira fotografias, faz desenhos, etc. e envia-os para um blogue. O proprietário capitalista, usando o seu poder sobre os meios de produção e, portanto, sobre o trabaho alheio, escolhe-os e faz o essencial do seu blog a partir deles (por vezes, junta-lhe algum material de fabrico próprio).

          Diga-se que, talvez devido ao caracter recente dos blogues, o mode de produção capitalista ainda se encontra na fase do "domestic system", incluindo alguns dos seus aspectos mais típicos, como o recurso ao trabalho infantil.

          A mais-valia

          O proletário recebe, como paga, o seu nome no fundo do post publicado (além da satisfação pessoal de ver o fruto do seu trabalho). Em contrapartida, o blogue em questão valoriza-se (em termos de audiência), já que, quantas mais actualizações um blog tem, maior é a tendência dos leitores para irem lá espreitar a ver o que há de novo. A diferença entre o aumento de audiência do blogue motivada pelas constantes actualizações e o pequeno beneficio (em termos de notabilidade) que os proletários recebem constitui a mais-valia.

          A reprodução do capital

          O material enviado pelos proletários contribui para dar vida ao blogue, fazendo com que tenha mais audiência (mesmo que, individualmente, grande parte do trabalho publicado tenha pouco valor-de-uso, o facto de ser muito compensa isso). A audiência do blogue contribui para que os proletários enviem para lá o seu trabalho.

          Note-se que, num blogue com estas caracteristicas, a remuneração dos proletários (i.e., uma referência no fim do post) não é suficiente para que eles proprios iniciarem um processo de acumulação - enquanto um blogue com comentários permite o surgimento de uma pequena-burguesia (comentadores que têm o seu próprio blogue e que, ao fazerem comentários, acabam por ganhar também audiência), nos blogs deste tipo os trabalhos dos proletários não são publicados com links, não podendo ser o ponto de partida para a afirmação e desenvolvimento de um blogue próprio.

          A sobrevivência de formações sociais pré-capitalistas

          Além da burguesia e do proletariado, as outras classes sociais continuam a sobreviver na blogosfera, nomeadamente a pequena-burguesia e o campesinato.

          A pequena-burguesia é composta pelos pequenos artesãos que trabalham no seu próprio blogue individual. Paralelamente, tem-se notado uma certa força das comunidades aldeãs, em que os individuos têm à sua disposição, não a sua pequena propriedade privada, mas o terreno comunal, aonde os vários habitantes da aldeia publicam os seus posts, limitados mais pelos costumes informais de boa-vizinhaça comunitária do que por normas formais (se calhar já estou a exagerar na metáfora...).

          A meio caminho entre a propriedade privada e a comunitária, temos os blogues abertos aos visitantes (vulgo, blogue com caixa de comentários), na velha tradição de se poder entrar em terra alheia para apanhar caracóis. Tal acaba por limitar bastante a proletarização da blogosfera - se eu posso ir fazer comentários num blogue, é meio caminho andado para adquirir, quer o treino, quer o mínimo de notoriedade que dá jeito para abrir um blogue próprio (da mesma forma que a existência de terrenos de uso comunal - aonde podiam, p.ex., levar o gado - ajudava os pequenos agricultores a manterem as suas pequenas propriedades).

          Assim, temos uma classe social específica, a meio caminho entre a pequena-burguesia e o proletariado (embora outros prefiram qualificá-los como "proletariado", usando com pouco rigor as ferramentas - pelos vistos, já enferrujadas - do materialismo dialéctico): os não-proprietários (sem blogue) e micro-proprietários (com um blogue que quase ninguêm lê) que conseguem manter a sua independência (mais exactamente, a sua capacidade de expôr opiniões) aproveitando o open field (ou, se preferirem, as caixas de comentários).

          Diga-se que a oposição da burguesia aos não-proprietários que sobrevivem graças ao "terreno livre" já vem de longe: nos séculos XVII e XVIII, os industriais (e os seus propagandistas) eram grandes entusiastas das enclosures (argumentando - com razão - que a existencia de terrenos de acesso livre dava às "classes inferiores" uma independência que as tornava inaptas para trabalhar nas fábricas).

          [esta metáfora foi mesmo longe de mais, não foi?]

          Sugestão de leitura: Luta de Classes na Blogosfera

          Wednesday, April 19, 2006

          Os efeito de uma bomba nuclear anti-bunker

          Aqui poderão ver uma simulação do que, segundo a "Union of Concerned Scientists", seriam os efeitos de usar armas nucleares de pequena potência contra os bunkers iranianos.

          Também no site Antiwar.comum artigo sobre o assunto.

          Mais uma réplica à "Atlantico"


          Basta passar uma vista de olhos por alguns textos "conservadores" para ver que isso não bate certo: p.ex., este texto de Jonah Goldberg, aonde este, para justificar a autoridade do Estado, dá o exemplo do suicidio, argumentado na linha"Irias impedir uma amiga de se suicidar? Claro. Então, se um individo pode impedir outro de se suicidar, também é aceitável que 1.000 individuos o façam. E, em vez de 1.000, porque não um policia, ou seja, o governo?" (tradução muito livre da minha parte). E Goldberg é um "conservador" da tradição americana e anglo-saxónica, que até são mais "individualistas" do que a média (se fossêmos aos conservadores continentais, então...).

          Ou seja, se há ideologia que tem a mania de querer "proteger os indivíduos deles próprios", até é o conservadorismo (p. ex., são os maiores defensores da repressão contra os "crimes-sem-vitima"). Essa caracteristica é melhor vista se compararmos os conservadores com os socialistas: estes, frequentemente, também são fortes defensores do intervencionismo estatal, mas com argumentos na linha de "proteger os «fracos» dos «fortes»", não de "proteger o indíviduo dele próprio".

          A menos que, claro, que o problema esteja nos "burocratas animados por uma ideologia de mudança social", e que, para a aliança conservadora-liberal, as decisões tomadas por "burocratas animados por uma ideologia de estabilidade social" já sejam aceitáveis.

          O massacre de há 500 anos

          Até há uma semana desconhecia completamente este episódio da História de Portugal - o massacre de milhares de judeus em Lisboa (começado a 19 de Abril de 1506).

          Será que, se não fossem os blogs, alguma vez teria ouvido falar dele?

          [O Público também publicou, há uns dias, um artigo sobre a assunto, mas não terá sido já consequência da atenção que os blogues lhe deram?]

          Tuesday, April 18, 2006

          Re: ... a nova agenda da velha esquerda

          No seu texto, "O Big Brother e a nova agenda da velha esquerda", A. A. Alves expõe a tese de que "A falência dos modelos externos de referência (fossem eles a União Soviética, a China ou mesmo a Albânia) obrigou a extrema-esquerda europeia a reconverter-se. Historicamente derrotada e ideologicamente falida, essa recomposição passou em quase toda a Europa ocidental pelo esbatimento dos velhos temas marxistas no discurso público e pela adopção de causas sociais «fracturantes»".

          Se a tese do AAA estivesse certa, o colapso dos "modelos externos de referência" teria feito os comunistas de linha soviética, maoista ou albanesa tornarem-se entusiastas das "causas fracturantes". Em contrapartida, trotskistas, "socialistas internacionais", "comunistas de conselhos", "autonomistas", anarquistas, etc. continuariam tranquilmente a distribuir panfletos à porta das fábricas (do gênero "o teu patrão precisa de ti; tu não precisas dele!", ou "as duas coisas que os trabalhadores menos precisam: patrões e burocratas sindicais!"), prestando (para não parecerem desactualizados) algum "lip service" ao «fracturantismo», mas sempre com uma atitude de "sim, sim, essas causas são muito «in», mas temos coisas mais importantes a tratar".

          Ora, é exactamente o contrário que se passa - por norma, as tendencias do "segundo tipo" são muito mais viradas para as "causas fracturantes" que as primeiras (que, essas sim, têm frequentemente a tal atitude de "sim, sim, essas causas..."), o que parece refutar a tese do AAA.

          Sem falsas modéstias, acho que a tese que, há tempos, a propósito dos anos 60, expus sobre a raiz das "causas fracturantes" (no 12º parágrafo) faz muito mais sentido.

          Allende: "ditador"?

          De vez em quando, nomeadamente nos blogs, surge a tese de que Allende, embora eleito, se comportaria como um "ditador" (p.ex. aqui).

          Ora, segundo os relatórios (download em .xls aqui) da Freedom House, uma instituição que penso insuspeita de simpatias "esquerdistas" (o seu Board of Trustees até tem muita gente de direita), em 1972, o Chile tinha um indíce de "liberdades civis" de 2 (sendo 1 o máximo e 7 o mínimo), o mesmo grau de, por exemplo, a Finlândia, Irlanda, Itália, Malta ou San Marino. Em termos de "representação politica" (já não um indíce de "liberdade", mas de "democracia"), tinha um 1, ficando, p.ex., à frente da Finlândia (não me perguntem qual o critério da FH para chegar a essa conclusão).

          Outros exemplos: durante o governo de Allende, o jornal "El Mercurio", o principal porta voz da direita foi impedido de publicar, mesmo nos dias após a intentona de 29 de Junho de 1973? Quando houve as manifestações das "panelas vazias" contra Allende a policia de choque dispersou as manifestantes? Não!

          Muitas vezes, os vendedores da tese do "ditador Allende" falam das "violências e ilegalidades" cometidas por apoiantes de Allende, mas, quando se vai ver as listas de "violências e ilegalidades" que publicam, são compostas esmagadoramente por ocupações de terras e empresas. Ora, independentemente da opinião que tenhamos sobre as ocupações (eu sou a favor, a direita e o PC costumam - por razões distintas - ser contra, e foram-no no Chile), uma ocupação não é uma violação das liberdades civis ou politicas (que, na minha opinião, é o que distingue um "ditador").

          É verdade que (como frequentemente refere Claudio Tellez do Insurgente) houve casos de proprietários rurais mortos pelo Movimiento de Izquierda Revolucionária durante ocupações de terras, mas muitas dessas mortes aconteceram no contexto de confrontos físicos (nomeadamente tiroteios) entre os proprietários e os "sem-terra", ou seja, não se tratou propriamente de "assassínios a sangue-frio" de adversários políticos.

          E, se vamos falar de violência politica, os extremistas de direita da Patria y Libertad e grupos afins têm uma grande quota parte da que ocorreu durante o governo de Allende (p.ex., o assassinio do chefe do exército, René Schneider, ainda antes da posse presidencial).

          Monday, April 17, 2006

          Reutilizar os manuais escolares?

          Segundo o Diário de Noticias (artigo não on-line), a Associação Portuguesa de Familias Numerosas (APFN) defende que os manuais escolares devem ser reutilizáveis (nomeadamente, tendo os exercícios à parte), para poderem passar de uns irmãos para os outros.

          Ora, acho que, mesmo sem exercícios, essa "herança" de manuais escolares parece-me muito díficil: o método de estudo de grande parte dos alunos é fazer sublinhados nos livros. Eu, por acaso, não estudava assim, mas uma vez emprestei um livro a uma colega minha e ela ficou toda espantada por o livro não ter notas nenhumas e até me perguntou algumas vezes "mas tu estudaste por aquele livro?", o que indica que fazer anotamentos nos livros é o método de estudo padrão (é certo que este episódio aconteceu na universidade, mas esse hábito, normalmente, já vem dos níveis anteriores).

          Não é que eu me oponha a que as escolas, se não existir um motivo bom para mudar de livro, mantenham o mesmo livro usado nos anos anteriores (afinal, como nem toda a gente faz apontamentos nos livros, sempre se aproveitam alguns), mas daí à importância que muitas pessoas dão à manutenção dos livros de uns anos para os outros vai um grande salto. E, sobretudo, parece-me muito má ideia a que por vezes é lançada de os alunos de baixos recursos passarem a usar livros emprestados pelas escolas (em vez de livros pagos pelo SASE).

          Diferenças entre "Trabalho" e "Prisão"

          Cell vs Cubicle

          Just in case you ever get these two environments mixed up, here's a handy reference:

          IN PRISON: You spend the majority of your time in a 10 x 10 cell.
          AT WORK: You spend the majority of your time in an 8x8 cubicle.


          IN PRISON: You get 3 meals a day.
          AT WORK: You get 1 meal break a day and have to pay for it.


          IN PRISON: You get time off for good behaviour.
          AT WORK: You get more work for good behaviour.


          IN PRISON: The guard locks and unlocks the doors for you.
          AT WORK: You must often carry a security card and open all the doors yourself.


          IN PRISON: You can watch tv and play games.
          AT WORK: YOU GET SACKED FOR THE ABOVE.


          IN PRISON: They allow your friends and family to visit.
          AT WORK: You aren't even supposed to speak to your family.


          IN PRISON: All expenses are paid by the taxpayer with no work required.
          AT WORK: You get to pay all your expenses to work and they deduct taxes from your salary to pay for prisoners.

          IN PRISON: You spend most of your time behind bars wanting to get out.
          AT WORK: You spend most of your time wanting to get out and go inside bars

          Sunday, April 16, 2006

          Os conservadores e o "politicamente correcto"

          Hoje em dia, a critica favorita que os conservadores fazem aos "anti-conservadores" é chamá-los de "politicamente correctos" (e reclamar contra o dominio do "politicamente correcto). Mas, se formos ver bem, essa critica é totalmente incoerente.

          O que é caracteriza os conservadores? No aspecto "social", penso que é considerar que são os costumes e tradições partilhadas que mantêm a sociedade a funcionar (enquanto os "progressistas" dizem, uns que é "a razão", outros que é "a bondade natural do homem", etc.). Ou seja, a essencia do conservadorismo social é exactamente a ideia de que, para a sociedade funcionar, tem que existir um "politicamente correcto" (ou um "socialmente correcto"...), um conjunto de ideias aceites de forma largamente maioritária e mais por hábito do que pela reflexão - logo, eles criticarem-nos por sermos "politicamente correctos" não faz sentido: para um conservador, ser "politicamente correcto" até devia ser um elogio.

          Claro que os conservadores podem dizer "Nós não somos, em abstracto, contra haver um 'politicamento correcto', muito pelo contrário; somos é contra o conteúdo concreto do actual 'politicamente correcto' e queremos substitui-lo por um 'politicamente correcto' ao nosso gosto"; mas, se é assim, não se percebe o porquê de usarem a expressão "politicamente correcto" como critica - afinal, para eles, o mal das "ideias politicamente correctas" está nas "ideias" em si, não nestas serem ou não "politicamente correctas". Assim, se em vez de fazerem grandes discursos contra "a ideologia do politicamente correcto", fizessem esses discursos contra "a ideologia de esquerda" era mais honesto e até era mais rápido a dizer/escrever.

          Thursday, April 13, 2006

          145 dias de folga?

          Hoje, no noticiário da SIC, disseram que ia haver 145 dias de folga este ano: sábados, domingos e feriados seriam 116 dias a que se juntariam 25 dias de férias e mais 4 "pontes", por os feriados serem à quinta ou à terça (para ver um calendário para 2006, clicar aqui).

          Só que as "pontes" não surgem de geração espontanea: uma "ponte" goza-se metendo um dia de férias (ou, no caso dos funcionários públicos, um "dia por conta das férias"), logo as 4 potenciais pontes já estão incluídas nos 25 dias de férias. Assim, só vai haver 141 dias de folga este ano (é certo que os funcionários públicos podem descontar o dia nas férias do ano seguinte, mas acaba sempre por ir descontar nalgumas férias).

          Wednesday, April 12, 2006

          Resposta ao spam

          Ali em baixo, alguêm pôs um comentário tipo "spam" que eu até era para apagar, mas depois achei que até dava para fazer umas reflexões a esse respeito:

          "Com o FIM do Tabú-Sexo veio a acontecer aquilo que seria exactamente de esperar: a percentagem de MACHOS SEM FILHOS disparou... e... exactamente como seria de esperar... os machos de maior sucesso passaram a ter filhos de sucessivos casamentos..."

          Tenho sérias dúvidas que a percentagem de "homens sem filhos" tenha "disparado" (na minha faixa etária, só conheço eu). E, se há mais "homens sem filhos" do que antigamente, também há mais "mulheres sem filhos" - ou seja, isso não tem haver com nenhum fenómeno de "açambarcamento" das mulheres por um grupo reduzido de homens (não digo que esse "açambarcamento" não possa existir, mas duvido que seja maior agora que antes do "fim do tabú-sexo").

          Aliás, a "liberalização dos costumes" até reduz esse "açambarcamento" - numa sociedade "preconceituosa", a tendência é para os "machos mais fortes" terem uma esposa legítima e amantes; numa sociedade "libertada", a tendência será para irem trocando de mulher (logo, numa sociedade "liberta", os "machos sexualmente mais fracos" - para usar a expressão do "quarentaom" - sempre terão mais mulheres disponiveís).

          "Com o fim do Tabú-Sexo também vieram a suceder os seguintes fenómenos:
          -1- a proibição da Poligamia passou a ser uma coisa que JÁ NÃO FAZ SENTIDO; de facto, basta observar o seguinte: muitas fêmeas das Sociedades Tradicionalmente Monogâmicas passaram a procurar machos de melhor qualidade... oriundos de Sociedades Tradicionalmente Poligâmicas...
          [ Nota: Nas Sociedades Tradicionalmente Poligâmicas apenas os machos mais fortes é que têm filhos... ou seja... estas Sociedades procuram seleccionar e apurar a qualidade dos seus machos... ]"

          Eu nunca reparei que as mulheres ocidentais tivessem uma grande atracção por árabes ou iranianos, mas enfim... (talvez as mulheres que leiam este blog tenham alguma coisa a dizer a esse respeito).

          "--- A Repressão dos Direitos das Mulheres tinha como objectivo tratar as mulheres como uns meros 'úteros ambulantes'... para que... as sociedades ficassem dotadas duma VANTAGEM COMPETITIVA DEMOGRÁFICA!!!!!!"

          (...)

          "-2- as viúvas não podiam voltar a casar... pois... não era nada benéfico para a moral dos combatentes... eles pensarem que... se eles viessem a morrer no campo de batalha... depois a mulher ia 'curtir' com outro..."

          Não sei se alguma sociedade chegou a ter algum tabú significativo contra o re-casamento de viúvas, mas, se assim fosse, era contraditório com a teoria geral do "quarentaom" - afinal, se a ideia é aumentar a população para ter vantagem demográfica, o que faz sentido era encorajar as viúvas (nomeadamente as em idade fértil) a se re-casarem. E, seja como for, duvido que para um guerreiro em combate o seu principal problema em caso de morte fosse a mulher arranjar outro.

          "...........torna-se óbvio que o Verdadeiro Objectivo do Tabú-Sexo eram montar uma autêntica armadilha às fêmeas... de forma a que... estas fossem conduzidas a aceitar os machos sexualmente mais fracos!!!
          --- Dito de outra forma, o VERDADEIRO OBJECTIVO do Tabú-Sexo era proceder à integração social dos machos mais fracos!!!"

          Isso é totalmente contraditório com o facto de ser nas sociedades poligâmicas (como a islâmica) que o "tabú-sexo" e a repressão das mulheres são mais intensos. Ou seja, parece-me que a "repressão sexual" não se destinará a impedir que as mulheres se "atirem" todas a meia-dúzia de homens, mas, pelo contrário, a impedir que as mulheres abandonem os haréns.

          "--- Quando as batalhas eram lutas corpo-a-corpo... essas batalhas seriam autênticas carnificinas... portanto... era necessário uma grande disciplina... para não existirem homens cada um a fugir para o seu lado.."

          Isto já sai do assunto principal, mas penso que a batalha corpo-a-corpo exige menos disciplina que a guerra moderna, já que exige muito mais improvisação por parte de cada guerreiro.

          [se calhar é má ideia eu dar trela aos spammers, que ainda os encorajo]

          "Milagre" chileno?

          Será que as politicas de "mercado livre" do ditador Pinochet realmente deram origem a um "milagre económico" no Chile? Se calhar não:

          "Chile can claim economic success. But that is entirely the work of Marxist leader Salvador Allende, who saved his nation, miraculously, a decade after his death. "

          (...)

          "For nearly a century, copper has meant Chile and Chile has meant copper. Dr Janet Finn, metals expert at the University of Montana, remarks: 'It's absurd to describe a nation as a miracle of free enterprise when the engine of the economy remains in government hands.' (...) "

          "Copper has provided between 30 and 70 per cent of the nation's export earnings. This is the hard currency that has built today's Chile. The proceeds from the mines seized from Anaconda and Kennecott in 1973 was Allende's posthumous gift to his nation. "

          Monday, April 10, 2006

          A televisão e os jogos de computador

          Este post do Canhoto acerca do livro "Everything Bad is Good for You", de Steven Johnson, que argumenta que os jogos de computador desenvolvem a inteligência, fez-me lembrar uma coisa: antigamente, os "criticos da televisão" diziam mal da televisão porque tansformava as pessoas em espectadores passivos; quando os jogos de computador se popularizaram o argumento passou a ser de que os jogos eram "piores" que a televisão porque, como implicavam participação directa do jogador, eram ainda mais "viciantes" que a televisão. Ou seja, preso por ter cão, preso por não o ter...

          A minha posição: concordo parcialmente com a crítica à televisão; discordo totalmente da crítica aos jogos de computador.

          En la plaza de mi pueblo

          Decidi por música neste blog.

          En la plaza de mi pueblo

          En la plaza de mi pueblo
          dijo el jornalero al amo
          "Nuestros hijos nacerán
          con el puño levantado".
          Esta tierra que no es mía
          esta tierra que es del amo
          la riego con mi sudor
          la trabajo con mis manos.
          Pero dime, compañero,
          si estas tierras son del amo
          ¿por qué nunca lo hemos visto
          trabajando en el arado?
          Con mi arado abro los surcos
          con mi arado escribo yo
          páginas sobre la tierra
          de miseria y de sudor.

          Sunday, April 09, 2006

          Será que o mutualismo funcionaria? (II)

          Ainda o respeito da viabilidade do "mutualismo" como instrumento para eliminar o capitalismo, o próprio Tucker viria a chegar à conclusão que já não era suficiente. Nomeadamente, em 1926, escreveu:

          "Forty years ago, when the foregoing essay was written, the denial of competition had not yet effected the enormous concentration of wealth that now so gravely threatens social order. It was not yet too late to stem the current of accumulation by a reversal of the policy of monopoly. The Anarchistic remedy was still applicable."

          "Today the way is not so clear. The four monopolies, unhindered, have made possible the modern development of the trust, and the trust is now a monster which I fear, even the freest banking, could it be instituted, would be unable to destroy. As long as the Standard Oil group controlled only fifty millions of dollars, the institution of free competition would have crippled it hopelessly; it needed the money monopoly for its sustenance and its growth. Now that it controls, directly and indirectly, perhaps ten thousand millions, it sees in the money monopoly a convenience, to be sure, but no longer a necessity. It can do without it. Were all restrictions upon banking to be removed, concentrated capital could meet successfully the new situation by setting aside annually for sacrifice a sum that would remove every competitor from the field."

          "If this be true, then monopoly, which can be controlled permanently only for economic forces, has passed for the moment beyond their reach, and must be grappled with for a time solely by forces political or revolutionary. Until measures of forcible confiscation, through the State or in defiance of it, shall have abolished the concentrations that monopoly has created, the economic solution proposed by Anarchism and outlined in the forgoing pages - and there is no other solution - will remain a thing to be taught to the rising generation, that conditions may be favorable to its application after the great leveling".

          Ou seja, a concentração da riqueza já teria assumido um tal nível que poderia sobreviver por si própria, mesmo que desaparecessem todas as formas de intervenção estatal que - segundo Tucker - lhe teriam dado origem. Assim, a concentração da riqueza já só poderia ser abolida pela "confiscação forçada, através do Estado ou contra ele".

          Saturday, April 08, 2006

          Será que o mutualismo funcionaria?

          Continuando a exposição sobre o mutualismo, será que esse sistema funcionaria? Eu penso que, por um lado funcionaria, mas, por outro, talvez não tivesse grandes consequências.

          Imaginemos uma versão simples de mutualismo: um grupo de pessoas criam um "banco mútuo" e compromentem-se a aceitar as notas emitidas por esse banco como meio de pagamento. Ora, a experiencia indica que a procura de moeda (i.e. dinheiro em caixa + depósitos à ordem) numa economia é de cerca de 1/3 do PIB nominal. Assim, a moeda emitida pelo banco em questão tenderia, em valor, a equivaler a cerca de 1/3 do "PIB" do conjunto dos utilizadores dessa moeda.

          Se o banco criasse moeda através de empréstimos com um prazo de 10 anos, isso quer dizer que, anualmente, iria conceder empréstimos correspondentes a 2/33 do "PIB".

          Aonde é que eu fui buscar este valor (alguns leitores estarão a pensar "não seriam 1/30 do PIB")? O total da dívida num dado ano é o valor emprestado nesse ano, mais 9/10 do emprestado no anterior (porque 1/10 já foi pago), mais 8/10 do emprestado há 2 anos, etc. Se todos os anos for emprestada a mesma quantia, quer dizer que o valor total da dívida (e da moeda em circulação) é 5 vezes e meia (1 + 0,9 + 0,8 ...) o valor emprestado anualmente. Logo, o valor emprestado anualmente deverá ser 2/33 (1/3 a dividir por 5,5).

          Um exemplo concreto: vamos supor um banco com 10.000 associados, como um rendimento médio equivalente a 15.000 euros por ano (ou sejo, o "PIB" dos associados seria equivalente a 150 milhões de euros). O banco manteria moeda em circulação de valor equivalente a 50 milhões de euros. Se concedesse empréstimos por dez anos, iria anualmente conceder empréstimos de valor pouco maior que 9 milhões de euros.

          Imaginemos que cada sócio pedia um empréstimo uma vez na vida e era sócio durante 50 anos (ou seja, todos os anos, haveria 200 empréstimos a serem concedidos). Assim, cada sócio iria, uma vez na vida, receber um empréstimo, sem juros, de valor equivalente a 45.000 euros. Não é pouco, mas também não é muito.

          No entanto, há alguns factores que podem melhorar um pouco a situação:

          Por uma lado, temos o crescimento económico. Se o "PIB" estiver a crescer, a massa monetária também deverá crescer, logo, todos os anos, irão ser concedidos mais empréstimos do que amortizações realizadas. Se a economia crescer 2% ao ano e o banco seguir uma politica de um crescimento nominal do stock de moeda também de 2% ao ano, já poderá conceder anualmente empréstimos num valor ligeiramente acima de 6% do "PIB" (é complicado explicar como se chega a este número mas, se quiserem, eu explico).

          Por outro lado, o tal rácio empirico que apresentei da "procura de moeda" ser cerca de 1/3 do PIB acontece no contexto de economias em que há inflação (e, quanto maior é a inflacção, menor a tendência para querer deter moeda). Se, como no meu cenário hipotético, o banco só fizesse aumentar a moeda em circulação proporcionalmente ao crescimento da economia, em principio não haveria inflacção, logo a "procura de moeda" seria maior, podendo o banco conceder empréstimos de valor mais elevado aos que estou a referir (em alternativa a ir medir o crescimento económico - o que, aliás, seria quase impossivel - o banco pode-se limitar a observar os preços e conceder mais ou menos empréstimos se estes estarem a descer ou a subir).

          Nota1: o tal rácio de 1/3 fui, mais ou menos, buscá-lo a uns dados sobre a economia dos EUA, no principio dos anos 80, no livro "Economia", de Paul Samuelson. As estatisticas do BCE apontam para um valor ligeiramente superior (em 2004, a moeda em circulação era no valor de 2.912 biliões de euros e o "PIB europeu" nominal 7.714 biliões - ou milhares de milhões? - o que dá um rácio já perto dos 40%)

          Nota2: será que ao misturar uma teoria socialista radical do século XIX com a ciência económica "convencional" moderna (mais exactamente, Economia Monetária), e juntado uns cálculos pelo meio, não terei feito um post que ninguém vai achar interessante?

          O que é isso exactamente?

          Provavelemente alguns dos leitores estão a pensar "o que é isso de «mutualistas»" (alguns também estarão a pensar o que são "austríacos").

          O mutualismo é uma teoria (importante no século XIX) que defende que se for possivel a criação de moedas privadas (ou cooperativas), garantidas, não por metais preciosos (recorde-se que estamos a falar de um movimento criado no século XIX, no tempo do padrão-ouro), mas por hipotecas sobre activos reais, os juros dos empréstimos irão ser muito mais baixos, permitindo aos trabalhadores tornarem-se proprietários e acabando com a divisão patrão-empregado (ou seja, o "mercado livre" destruiria o "capitalismo").

          Vou tentar explicar como isso funcionaria:

          Imagine-se que eu tenho uma casa no valor de 100.000 euros. Agora imagine-se que eu assinava 1.500 documentos dizendo "A partir de 08/04/2007, pagarei ao portador 50 euros. Em caso de incumprimento, a minha casa será vendida para pagar essa dívida". Ora, se houvesse certeza absoluta que os portadores dessas "notas" iriam, daqui a um ano, receber 50 euros por "nota", não haveria razão para essas não serem aceites ao "valor de mercado" de 50 euros - ou seja, eu estaria a receber um empréstimo de 75.000 euros, sem juros.

          À primeira vista poder-se-á argumentar "Não. As suas notas só irão valer 50 euros daqui a um ano. Hoje, o seu valor de mercado irá ser 50 euros descontado pela taxa de juro do mercado", mas não: suponhamos que, hoje, a minhas notas valiam 47 euros; isso quer dizer que, no próximo ano, iriam valorizar 6,38%, em relação ao euro (já que é um dado que irão valer 50 euros a 08/04/2007). Logo, as pessoas iriam preferir usar as minhas notas em vez de euros, fazendo subir o seu valor. Assim (repito, se não houvesse qualquer risco de incumprimento), mesmo a um ano de distãncia, as minhas notas iriam valer 50 euros (se valessem menos, quer dizer que iriam valorizar em relação ao euro ao longo do ano, logo iria ser uma moeda mais procurada que o euro). Na realidade, valeriam um pouco menos, devido ao risco de eu não pagar (mesmo vendendo a casa), e também devido ao incómodo de usar uma moeda "não-convencional" - ou seja, para todos os efeitos, eu pagaria um juro (ou seja a diferença entre 50 euros que vou pagar daqui a um ano e o valor, hoje, das notas que emiti) equivalente apenas ao "prémio de risco".

          Claro que o modelo mutualista não é cada individuo imprimir a sua própria moeda: a ideia é criar cooperativas de crédito que emitem moeda garantida pelos bens hipotecados pelos seus sócios/devedores, mas, no fundo, é como o mecanismo acima descrito, mas em ponto grande - assim, eu, em vez de pagar aos meus 1.500 potenciais credores, apenas tenho que pagar a minha dívida à cooperativa (em rigor, o sistema que descrevi é uma adaptação de um modelo específico de mutualismo: o de Tucker, em que os titulares das notas, a partir de uma certa data, podem ir ao banco cooperativo trocar as notas por ouro; outras variantes funcionam de modo diferente).

          Textos sobre o assunto:

          Proudhon's Bank of the People, de Charles Dana
          Mutual Banking, de William Greene
          Individual Liberty, de Benjamin Tucker
          J.5.6 What are the key features of mutual credit schemes?, no Anarchist FAQ

          A minha opinião é que estas teses têm alguma lógica, mas são talvez demasiado optimistas.

          O debate mutualistas-"austriacos"

          Em resposta aos "Studies in Mutualist Political Economic", do anarquista/mutualista Kevin Carson, o "Journal of Libertarian Studies" (liberal/"austríaco") publicou uma edição dedicada ao assunto (incluindo um artigo de Carson respondendo aos seus objectores).

          Tanto o Mutualist Blog como o Mises Blog publicaram vários posts acerca dessa edição:

          Nunc Dimittis: Or, Carson Hits the Big Time
          The More Things Change...

          Anarchism Left and Right


          Uma nota minha: creio que ambos os lados dão demasiado importãncia a discutir se a "teoria do valor-trabalho" está certa ou errada (eu, pessoalmente, acho que está meio-certa; aliás, a economia "convencional" já encerrou esse debate há um século). A minha opinião é que tanto os socialistas que dizem "a teoria do valor-trabalho prova que os trabalhadores são explorados" como os liberais que dizem "a teoria do valor-trabalho está errada, logo os trabalhadores não são explorados" caiem num non sequitor: qual é o nexo lógico entre o pressuposto "o preço de uma mercadoria tende a ser proporcional ao trabalho necessário para a produzir" e a conclusão "os capitalistas exploram os trabalhadores"? É perfeitamente possível aceitar o primeiro sem o segundo (como Adam Smith) ou vice-versa (como Kroptkine).

          Friday, April 07, 2006

          Sugestão de leitura

          "RIAA vs. The People: Two Years Later"[pdf], um documento da Electronic Frontier Foundation acerca das batalhas judiciais da indústria discográfica norte-americana contra a partilha de música na Internet. Claro que a situação legal portuguesa é diferente da norte-americana, mas, mesmo assim, creio que é um texto com interesse, independentemente da opinião que tenhamos sobre questões como a propriedade intelectual.

          Nomeadamente, é de referir que, nos EUA, muitas pessoas que aceitarem pagar as tais indemnizações para não serem processadas foram à mesma processadas: a troco da indemnização (e de uma espécia de "admissão de culpa" por escrito), a RIAA - a associação da indústria discográfica - efectivamente renunciou a processar essas pessoas. Mas os detentores dos direitos são as empresas individuais (e não a associação), e essas foram para a frente com os processos, tendo as tais "cartas de arrependimento" sido usadas, em tribunal, como prova de que os acusados tinham efectivamente "pirateado" música.

          Thursday, April 06, 2006

          O "liberalismo vulgar"

          A questão dos lucros da banca fez-me lembrar o que Kevin Carson chama "vulgar libertarianism", a tendência dos liberais para, quase reactivamente, tomarem o partido do "capital", mesmo em situações em que este é beneficiário do "estatismo".

          Aqui, temos mais alguns posts de Carson sobre o assunto, aplicado a várias situações, como a industrialização ou a América Latina.

          Diga-se que, ao contrário de Carson, eu, não sendo um liberal, não acho muito relevante (do ponto de vista moral) se o poder dos capitalistas é fruto da intervenção do estado ou do "mercado livre" - aliás, creio que mesmo em "mercado livre" a banca (para recuperar o anterior exemplo) teria uma tendência à concentração oligopolistica.

          Wednesday, April 05, 2006

          Sobre os lucros da banca

          O Blasfémias e O Insurgente criticam as pessoas que criticam os elevados lucros da banca. No entanto há pontos da argumentação deles em que eles próprios deveriam reflectir:

          No Insurgente, LT acaba o seu artigo com "se a vida é assim tão facilitada e sem risco para os bancos, porque não abrem um?".

          Mais adiante, nos comentários a outro post do Insurgente sobre o tema, um leitor pergunta "O lucro é sempre bom? E quando resulta de situações de monopolio (...), de cartelização?" ao que Helder Ferreira responde
          "Que tipo de monopólio? Coercivo ou não? Exemplos de cartéis sem intervenção do estado, pf."

          Mas os "insurgentes" parecem estar a esquecer-se de uma coisa: é que a banca não é um sector "liberalizado", em que se possa "abrir um" banco do "pé para a mão".

          Não sei se há alguma legislação mais actual, mas, de acordo com o Decreto-Lei nº 298/92, para abrir um banco, é preciso, entre outras coisas:
          • "Autorização a conceder, caso a caso, pelo Banco de Portugal" (artº 16º)
          • Ser uma sociedade anónima (artº 14º)
          • "Capital social não inferior ao mínimo legal" (artº 14º) - o Decreto-Lei nº 28/89 fixava esse mínimo em 3,5 milhões de contos (artº 1º); será que o LT quer ser meu sócio para "abrir um" banco (ele vai ter que entrar com a maior parte do capital)?
          O detalhe de um banco ter que ser uma sociedade anónima talvez tenha alguma relevância, já que parece impedir a criação de bancos cooperativos (excluindo o caso particular das caixas agricolas, que têm legislação especial).

          De qualquer, este legislação torna díficil alguém entrar no negócio bancário, potenciando a tal "cartelização com intervenção do Estado"

          Há mais intervenções do Estado que contribuem para aumentar os lucros da banca:

          O dinheiro dos depositantes está garantido pelo Estado (através do Fundo de Garantia de Depósitos): isso é bom, já que não temos que nos preocupar que o banco aonde temos o dinheiro vá à falência, mas leva a que os juros dos depósitos sejam mais baixos do que seriam em "mercado livre" (já que, de outra maneira, os depositantes iriam exigir um juro mais elevado para compensar o risco). Logo, indirectamente, a garantia dos depósitos funciona como um "subsídio" à actividade bancária.

          Além disso, num sistema de papel-moeda, os bancos centrais põem em circulação o dinheiro que imprimem de 2 maneiras: ou comprando títulos de dívida pública (por outras palavras, emprestando ao Estado), ou emprestando esse dinheiro aos bancos (cobrando a tal taxa de desconto que se houve falar quando sobe ou desce). Assim, tendo os bancos centrais o privilégio legal de criar moeda*, e sendo os bancos comerciais (e o Estado) os intermediários entre o banco central e os cidadãos, acabam por ser também beneficiários desse privilégio.

          O interessante nisto é que os liberais, perante a evidência que os lucros da banca são relativamente elevados, poderiam reagir de duas maneiras: dizer "se a banca tem muitos lucros é porque o mercado assim determina" ou "os lucros excepcionais da banca são consequência das distorções do mercado criadas pelo «estatismo»" (poderá haver argumentos para ambas as teses). Será reflexo condicionado optarem esmagadoramente pela primeira opção?

          * creio que é legal criar sistemas monetários privados (ou "comunitários", como os LETS), mas a existência de uma moeda oficial com curso forçado por lei põe as moedas "paralelas" em desvantagem.

          Talvez o melhor argumento pela liberdade de expressão

          Se as revistas "fascizantes" (em papel ou on-line) fossem proibidas (sob a acusação de "hate speech" ou coisa assim), como é que os anti-fascistas poderiam discutir e analisar a ideologia fascista?

          Eu sei que já ninguém tem paciência para este assunto...

          ... mas este artigo publicado numa revista inglesa de extrema-direita sobre o conservador alemão Edgar Jung é bem elucidativo de como, neste caso o nazismo, sendo diferente do conservadorismo "puro e duro", tinha muitos pontos de contacto.

          Por um lado, realmente, o destino de Jung prova que há uma oposição ideológica entre nazis e conservadores: sendo o principal ideólogo dos conservadores que integravam o governo de Hitler, passou os anos de 33 e 34 a tentar organizar um golpe contra este e a criticar o nazismo por ser demasiado "democrático" (isto é, por ser um movimento de massas, enquanto que, para Jung, "o objectivo da revolução nacional [deveria] ser a despolitização das massas e a sua exclusão da liderança do Estado"), acabando por ser morto na "Noite das facas longas".

          No entanto, aparentemente, até haveria grandes semelhanças entre o seu projecto e o de Hitler:

          "Jung called for a new state based on religion and a universalist world- view. Not the masses but a new nobility, or a self-conscious elite, should inform the new government, and Christianity must be the moral force behind the state. Society itself must be organized hierarchically and beyond the confines of nationalism even though it should be based on "an indestructible völkisch foundation from which the völkisch struggle can form". (...) But both the project of the Reich and the emphasis on völkisch foundations were carried out more dramatically, if rashly, by Hitler than any Conservative leaders could do"

          Ainda segundo o artigo, "the Conservative project proposed by Jung differed from Hitler's extremist one only in degree and not in kind".

          Ou seja, talvez o nazismo e o fascismo sejam a coisa que, no mundo moderno (com a indústria, a "sociedade de massas", etc.), é o mais parecido possível com o conservadorismo tradicional.

          Tuesday, April 04, 2006

          De aonde vieram os "fascistas"?

          Continuando a defesa da minha tese que o fascismo e afins têm raizes no campo conservador e/ou tradicionalista, vou analisar alguns movimentos usualmente considerados fascistas, na Europa de entre as guerras, e ver qual era o backround ideológico dos seus membros e dirigentes (não vou falar dos casos mais conhecidos da Itália e da Alemanha):

          Em Portugal, o Movimento Nacional-Sindicalista era praticamente composto pelos elementos mais jovens do Integralismo Lusitano, um movimento monárquico legitimista.

          Em Espanha, a Falange Espanhola foi fundada por José António Primo de Rivera, antigo militante monárquico e filho do ditador conservador Miguel Primo de Rivera. Muitos dos seus elementos tinham sido inspirados pela revista tradicionalista Accion Española.

          Em França, temos uma salganhada: entre os movimentos "fascistas", temos o Partido Popular Francês, dirigido pelo ex-comunista Maurice Doriot, o "Fascieu", dirigido pelo ex-monárquico e ex-anarquista George Valois, a Solidariade Francesa, dirigida pelo industrial monárquico François Coty, etc. Muitos intelectuais fascistas, como Brasillach e Rebatet estavam ligados ao grupo monárquico tradicionalista Action Française, de Charles Maurras.

          O caso inglês também não resolve muito a questão: o lider da União Britãnica Fascista, Oswald mosley, antes, havia sido deputado, tanto pelos conservadores como pelos trabalhistas.

          Na Bélgica, o "rexista" Leon Degrelle havia antes pertencido ao Partido Católico, e tinha também sido inspirado pelas teses de Maurras.

          Na Noruega, o lider fascista local era inicialmente próximo do Partido do Centro (agrário). O seu partido (a União Nacional) tinham inicialmente matizes ruralistas e religiosas antes de se tornar propriamente fascista.

          Na Roménia, a Guarda de Ferro foi fundada por activistas cristãos (a "Liga Nacional de Defesa Cristã" foi a origem, tanto da Guarda de Ferro como de muitos dos fundadores do Partido Nacional Cristão, o partido conservador romeno).

          Na Finlandia, o movimento lepão inicialmente surgiu como apenas anti-comunista, inspirado na guerra civil finlandesa, e só mais tarde se "fascizou".

          Em suma, os movimentos fascistas beberem em muitas correntes de pensamento, mas que tiveram uma forte influência conservadora, tiveram.

          Monday, April 03, 2006

          O fascismo e o nazismo eram de direita ou esquerda?

          No Rabbit's blog, Luis Pedro argumenta que "tentar colocar [o nacional-socialismo] como de direita é algo forçado" e que o "nacional-socialismo, como o fascismo italiano, devem mais a Marx, a Lenine e a Rousseau do que a Burke, a Bastiat ou a Tocqueville".

          A mim parece-me que o nacional-socialismo alemão é inequivocamente de direita, e o fascismo italiano, embora até tivesse alguns genes de esquerda, também fez uma politica claramente de direita (quanto aos "nacionais-revolucionários", de Nasser e Perón a Olanta Humalla, passando pelo baathismo, já admito que são mais dificeis de qualificar, podendo talvez, alguns deles, ser postos na "esquerda").

          Analisando os argumentos de Luis Pedro, em primeiro lugar, ele escolhe logo, para representar a direita, pensadores "atípicos" - se excluirmos Burke, os outros dois têm pouco a ver com a tradição direitista "clássica" (quando foi deputado, Bastiat até se sentava na esquerda - embora, claro, o conceito de esquerda mudou um bocado de 1848 até hoje). Possivelmente, Luis Pedro escolheu esses autores porque é a "direita" com que ele mais se identifica, mas o facto de nazis e fascistas não serem da direita "dele" não que dizer que não sejam de direita (se, para representar a direita, escolhessemos os contra-revolucionários franceses ou alemães, não seria dificil encontrar semelhanças com o fascismo).

          No caso do nacional-socialismo alemão, as suas raizes ideológicas estão claramente "à direita": a principal influência intelectual do nazismo foi a "revolução conservadora" alemã, um movimento auto-proclamado "conservador" (é certo que os "conservadores revolucionários" não gostavam dos nazis, mas os nazis admiravam os "conservadores revolucionários"). O "Partido dos Trabalhadores Alemães" (o antepassado do Partido Nacional-Socialista) foi fundado, para combater a revolução alemã de 1918, por influência da "Sociedade de Thule", um grupo que misturava o misticismo esotérico com o conservadorismo político.

          Em termos de alianças partidárias, o partido com que mais frequentemente os Nacionais-Socialistas se aliavam era com o Partido Nacional-Popular Alemão (DNVP), o antigo Partido Conservador de Bismarck. Se o DNVP, o partido da aristocracia tradicional prussiana, não era de "direita", não sei o que seria "direita"; e se os nazis se aliavam preferencialmente a esse partido, é um bom indicio para os pôr também na "direita". Aliás, quando o moderno NPD foi criado na Alemanha, tanto os neo-nazis como os sobreviventes do DNVP foram para lá, o que indica que as diferenças talvez nem fossem tantas assim.

          Os nacionais-socialistas tinham "socialista" no nome, mas tinham um "nacional" atrás, e isso muda muita coisa (como pôr "popular" à frente de "democracia"): o que o "nacional" quer dizer é, exactamente, que já não se trata de um socialismo de "luta de classes", de "tirar aos ricos para dar aos pobres", mas de um "socialismo" de "colaboração de classes", de o Estado pôr as diferentes classes sociais a "trabalhar em conjunto" para "objectivos comuns". A mim parece-me que o "nacional-socialismo" tem mais em comum com o "conservadorismo tradicional" (e a sua visão de uma sociedade hierárquica e paternalista, em que as classes baixas devem respeitar e obedecer às classes altas, e estas "tratar bem" as classes baixas) do que com o "socialismo tradicional" (com o seu igualitarismo e luta de classes). De certa forma, talvez se possa dizer que o ideal do nazismo, do fascismo, da "revolução conservadora", etc. era restaurar uma organização social de tipo medieval, mas no contexto duma economia industrial moderna (aliás, é revelador o sucesso desse tipo de ideias em países como a Alemanha ou o Japão - países que saltaram quase directamente do feudalismo para a indústria pesada, sem uma revolução social pelo meio).

          É um facto que os nazis e fascistas praticavam o intervencionismo económico, mas isso não basta para os qualificar de "esquerda": até há pouco tempo, os partidos "conservadores" também eram fortemente intervencionistas - mesmo os conservadores ingleses, talvez o partido conservador mais "liberal", foram fundados a partir dos defensores do proteccionismo agricola. O que caracteriza a "esquerda" é o elemento igualitarista e redistributivo do intervencionismo estatal, que não é significativo nas ideologias nazi e fascista (aliás, tal como a direita não tem que ser "liberal", a esquerda também não tem forçosamente que ser intervencionista).

          É certo que, sobretudo no principio dos anos 20, os nazis tinham um discurso hostil ao "capital financeiro", mas mesmo esse género de atitude ("industriais e operários - bons; banqueiros - maus") também não é raro entre os conservadores mais ideológicos, que consideram a propriedade sólida (terras, fábricas) superior à propriedade fluida (dinheiro, títulos) - a versão actualizada do conservadorismo dos séc. XVIII e XIX, que considerava a riqueza em terra superior à riqueza em dinheiro (e a nobreza superior à burguesia). Afinal, até nos EUA, aonde o conservadorismo é muito mais favorável aos capitalistas do que no resto do mundo, os ultra-conservadores, como a John Birch Society, falam contra os "banqueiros internacionais", a familia Rockefeller, etc.

          Quanto ao fascismo, ainda que até tenha tido mais influência esquerdista (Mussolini tinha sido socialista, muitos fascitas tinha sido inspirados pelo sindicalismo revolucionário e por Georges Sorel) as suas politicas (e base de apoio) até foram ainda mais parecidas com o conservadorismo típico do que o nazismo.

          Finalmente, leia-se o que fascistas assumidos escrevem, como esta entrevista de Rodrigo Emilio, aonde mistura sem grandes problemas referencias fascistas e conservadoras-tradicionalistas, ou blogs como o Fascismo em Rede, em que não é raro citar autores do campo monárquico-tradicionalista.

          Eu até reconheço razão aos liberais numa coisa: associar o liberalismo ao fascismo, por serem ambos de direita, não faz grande sentido (afinal, o fascismo é capaz de ter sido a tentativa de fundir o conservadorismo e o socialismo contra o liberalismo). Mas como grande parte dos liberais que há por aí são liberais-conservadores (o que talvez nem seja o caso do Luis Pedro), já podem ser considerados "parentes" do fascismo (devido à influência conservadora em ambos).

          Saturday, April 01, 2006

          Sugestão de leitura

          "Quando os lobos uivam"

          Esta série que começou a dar hoje (ou melhor, ontem) na RTP (a partir do romance de Aquilino Ribeiro) parece ser gira.