Thursday, March 16, 2006

Re: O Prec espanhol

No seu artigo no DN, "O Prec espanhol", Luciano Amaral afirma que os projectos politicos de Zapatero em Espanha, nomeadamente o seu apoio à autonomia da Catalunha, representam uma espécie de PREC espanhol, ou talvez de regresso à agitação dos anos 30, em ruptura com a "normalização democrática de 78".

Em primeiro lugar, há algo curioso com os "liberais-conservadores": quando se fala do federalismo europeu são "eurocépticos", defendendo que a Europa deve ser apenas uma área de comércio livre; quando se fala de politica norte-america, parecem ser defensores dos "direitos dos Estados" contra o governo federal; em assuntos municipais, defendem a autonomia fiscal dos múnicipios; mas, quando se fala das autonomias espanholas, tornam-se defensores do poder central contra as "comunidades autonómicas".

Embora os espanhois do ABC saibam muito melhor do que eu (que só lá fui duas vezes) qual o ambiente politico em Espanha, também duvido que a actual situação seja "muito diferente de 78 mas parecida com 36". Afinal, será que 78 era tão diferente de 36 como isso? Recorde-se que nessa altura oficiais de extrema-direita preparavam um golpe de estado (a Operação Galáxia); e, tendo como referência a série documental "A transição", parece-me que toda a gente em Espanha, nessa altura, receava um banho de sangue a qualquer momento.

Quanto a dizer que a "II República foi um regime afinal muito imperfeitamente democrático, em que a direita não podia ganhar eleições (quando as ganhou, logo foi impedida, por meios violentos, de assumir o poder)", não sei aonde Luciano Amaral se baseia - a direita espanhola ganhou as eleições de 1933 e governou, liderada por Alejandro Lerroux, até 1936 (o "bienio negro"). É verdade que houve um revolta dos mineiros das Astúrias contra o governo, mas essa revolta não o impediu de exercer o poder - foi rapidamente esmagada pela "Legião Estrangeira" (comandada por um tal de Francisco Franco), que, nos meses seguintes, levou a cabo centenas de execuções extra-judiciais. Se o governo conservador caiu, não foi por "meios violentos", mas porque, ao fim de dois anos de governo, os escandalos de corrupção em que se envolveu levaram à ruptura da coligação e à realização de novas eleições.

Já agora, diga-se que a vitória da direita em 1933 provavelmente só foi possível porque os anarquistas se abstiveram, em vez de, como era usual, darem um apoio implicito aos partidos de esquerda (o massacre de Casas Viejas em que o governo republicano de esquerda reprimiu uma revolta camponesa mandando incendiar as casas aonde os rebeldes se haviam refugiado levou os anarquistas a retirarem o seu apoio tácito à esquerda institucional). Ou seja, se somarmos os espanhóis que eram contra o governo de direita com os que eram contra qualquer governo, Lerroux estaria provavelmente em minoria na sociedade espanhola. Além disso, o sistema eleitoral em vigor beneficiou a direita (o Partido Republicano Radical, de centro-direita, elegeu 104 deputados com 700.000 votos, enquanto o PSOE, com 1.700.000 votos, apenas elegeu 60).

Pelos vistos, se alguém "não podia ganhar eleições" e "quando ganhou, foi impedida de governar por meios violentos", foi a Frente Popular, que ganhou as eleições em Fevereiro de 1936 e em Julho sofreu o golpe militar que daria origem à Guerra Civil.

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